Essa é uma história com alto teor sentimental para minha pessoa. Não se trata de uma história triste, nem nada parecido, é mais uma história de desistência…e recomeço.
Poucos sabem, pois as redes sociais apenas engatinhavam no começo dos anos 2000 (e também porque tenho um pouco de vergonha nessa cara), mas eu passava horas e horas aprendendo músicas ou mesmo escrevendo as próprias (medo!), a ponto de participar de uma banda – a saudosa Bandini Brazilian Band – a melhor banda que nunca saiu de um porão da zona leste de Caxias do Sul. Responsável por grandes clássicos locais como “a que vem”, “a que vai” e “groove em Fá”, que na verdade era em fá sustenido.
A Bandini apesar da vida breve e de um total de zero apresentações pelo circuito musical caxiense (e mundial) conseguiu uma proeza, foi a primeira banda que acabou por integrantes da banda estarem viciados em World of Warcraft ‘s. Levou nosso guitarrista e nosso baixista, antes eles tivessem conhecido a heroína ou o crossfit.
Porém, eu e outro membro desse blog (Maikel de Abreu) persistimos ainda alguns meses como dupla. Meus dois anos e meio de aulas de piano nos transformaram numa mistura de Nick Cave, Carpenters e Roney. Mas no meio dessa temporada de horror me deparei com um artista que me obrigou a acabar com minha carreira musical.
Todas as coletâneas de músicas francesas
Veja bem, na maioria das vezes, quando você se inscrevia em uma aula de francês nessa época das cavernas, as escolas do idioma podiam até ter algum cedezinho de lançamentos da hora – tipo Carla Bruni ou Zaz – ou aquela trilha sonora safada da Amélie Poulain, mas nas aulas o que reinava era a boa (nem tão boa assim) e velha (beeeem velha) chanson française.
Para entender o fascínio dos professores de francês (os de uma certa idade, é bem verdade) com a chanson française é preciso entender que tipo de música é essa, e ela é bem simples de explicar. Imagine um Brasil onde o samba-canção não só não ficou datado mas continuou a ser reproduzido por décadas e décadas e décadas de breguice. Ou o Roberto Carlos após a fase soul.
Você provavelmente já ouviu alguma chanson française mesmo não querendo: Charles Aznavour, Mireille Mathieu (uma Edith Piaf palatável), Dalida e, infelizmente para ele, Serge Gainsbourg. Mas felizmente para o menino Serge, sua fase chanson é apenas uma das muitas fases de uma carreira prolífica e polêmica, que vai do jazz ou reggae e que, mais do que qualquer outro, foi grande influência para o menino Benjamin.
Benjamin Biolay e a competição injusta
Nascido apenas dez anos antes do que eu em alguma província qualquer da França, o senhor Biolay já tinha 5 discos quando eu o conheci em 2008 e justamente estava lançando seu último trabalho trash yé-yé do mesmo ano. Naquela época, em virtude das aulas de francês (oui, je parle un français sauvage) estava me aprofundando na música francófona e consegui graças a uma rede social falecida.
Mas veja bem, eu não estava interessado na França de boina e croissants e roupas de marca, eu estava interessado na França de carros queimados, cabeças rolando, Rimbaud, Toulouse-Lautrec, Henry Miller e Picasso, não essa França que cantava “ô chans-elisê”, mas a do Maio de 1968 (eu sei, eu era jovem). Portanto a chanson française não me descia.
Comecei a buscar outras informações onde não esperava encontrar nada, na Last.fm e nas comunidades do Orkut. Nessas comunidades (tão lindas e tão singelas) eram disponibilizadas discografias inteiras que você poderia télécharger gratuitement, um luxo. A partir dessas pesquisas encontrei Benjamin e tudo mudou.
Não sei se houve um momento específico ou mesmo uma música que fez virar a chave, só sei que foi ouvindo Benjamin que desisti da música quase que totalmente. Não que eu esperasse grandes feitos da minha pessoa, mas esperava que em algum momento a perseverança vencesse o talento e eu pudesse escrever algo de alguma qualidade. Já não esperava mais.
Obviamente eu sabia que não faria nada parecido como Bob Dylan (letras), Tori Amos (técnica), Stevie Wonder (swing), Zeca Pagodinho (brasilidade) ou Leonard Cohen (ser um enviado de Deus), mas esperava ao menos não ser tão ruim quanto o rock gaúcho. Tudo em vão. Tudo o que eu desejava fazer, Benjamin já fizera (e na época ele só tinha um punhado de discos, lançou mais meia dúzia desde então) só que em francês, com mais charme, beleza e, além de tudo, já gravara um disco em dueto com sua então esposa, Chiara Mastroianni, simplesmente a filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve. Zerou a vida esse ai.
Essa descoberta foi uma benção e uma maldição, já não precisava me preocupar com a música, mas infelizmente isso me fez tentar escrever alguma coisa em prosa e a pior parte é que me afeiçoei a essa prática. Por culpa de Benjamin resolvi tentar escrever, por culpa dele vocês são obrigados a ler isso, todas as reclamações ao SAC devem ser dirigidos a ele.
Mas como não desejo guardar rancor daquele que destruiu meus sonhos (ou o contrário), fiz uma lista das minhas músicas preferidas, uma de cada disco, para provar que ele é um cantor-compositor e tanto, e deveria estar mais na lista dos mais ouvidos do spotify, inclusive da minha.
Les cerfs-volants
No seu primeiro disco Benjamin já mostrou toda a megalomania que conquistam pessoas como eu. É um álbum temático sobre Rose Kennedy (nome do disco inclusive) sobre a mãe do ex-presidente dos USA da América.
Négatif
Como esse primeiro disco foi pouco megalomaníaco, no segundo ele resolveu lançar algo mais tranquilo, um disco duplo. Négatif possui 4 dos meus versos preferidos de qualquer canção.
Du dernier décan
Je suis natif
Je suis turbulent
Je suis négatif
La ballade du mois de juin
Home é o disco em dueto com a patroa da época, Chiara Mastroianni, e como diz o título, essa é uma baladinha bem gostosinha.
Mon amour m’a baisé
O terceiro disco “A l’origine” é mais pesado do que os anteriores, porém tão genial quanto. Essa balada com clipe em inferninho digno da primeira década do milênio tem a participação de uma das maiores cantoras da história francesa, Françoise Hardy, que faz parte da turma da chanson française do bem.
Bien avant
Primeira música que ouvi do artista, ela é a primeira canção do então recém lançado trash yé-yé. Música perfeita com ecos de Leonard Cohen nos backing vocals.
Lyon presqu’île
Ah, a megalomania. Benjamin resolve lançar mais um (bom) disco duplo, esse com uma pegada mais anos 80 (o que era moda entre os jovens descolados na época).
Le bonheur mon cul
Por ser muito galã, Benjamin participou de muitos filmes, tanto atuando quanto contribuindo com a trilha sonora. Lançado em 2011, essa música simboliza meu estado de espírito da época.
Profite
Apesar de não ser de escorpião, Benjamin lançou um disco sobre vingança, mesmo com o seu divórcio com Chiara sendo de boas.
Miss Miss
Em comemoração ao título da Argentina que viria seis anos depois, Benjamin lançou dois discos com a temática “mi Buenos Aires querida”: Palermo Hollywood (de qual Miss Miss faz parte) e Volver.
Pardonnez-moi
Idem anterior.
Comme une voiture volée
Por algum motivo ainda desconhecido, Benjamin resolveu lançar um disco temático sobre corridas, especialmente Fórmula 1 (com direito a citação a Senna e uma música chamada Interlagos). Talvez tenha visto o documentário Drive to Survive, talvez não. Também é uma homenagem póstuma a Carro Roubado dos Cascavelletes.
Santa Clara
Lançado agorinha (assim como a morte do Guilherme de Pádua) Saint-Clair tem canções com nomes de santos, uma clara alusão a Pais e Filhos da Legião Urbana.
Para ler mais sobre galãs latinos com olheiras e outras taras do autor, acesse o restante do blog para encontrar mais desse conteúdo edificante.