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3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)

Em uma calma (e abafada) tarde de sábado estava escutando um Kinks (The Kinks Are the Village Green Preservation Society, 1968), a banda menos lembrada dos anos 60. Geralmente quando essa época é rememorada e discutida, ela é resumida entre quem foi melhor, Beatles ou Stones (resposta: Beatles). Porém, de vez em quando surge alguém muito diferentão que diz que foi The Who. Os consumidores de drogas ilícitas às vezes soltam um Jefferson Airplane ou Grateful Dead. Os sem caráter The Doors. Os mais diferenteões ainda The Velvet underground.

Dificilmente The Kinks é citado e o motivo é simples, outras bandas eram melhores. Mas isso não quer dizer que eles eram ruins, muito pelo contrário, é que o que estava sendo produzido na época, especialmente no final da década, está entre o melhor que já foi produzido em termos de música pop em toda história.

Com os Kinks não foi diferente. Apesar de terem apresentados pérolas pop em seus primeiros álbuns, coisas sensacionais como Waterloo Sunset e Sunny Afternoon, foi nos seus discos de 1968 em diante que eles realizaram seus melhores trabalhos.

Enquanto os Beatles eram melodia e experimentalismo, enquanto os Stones eram sexo e drogas, e o The Who era megalomania e terapia, os Kinks eram deboche e cinismo. Só de olhar a cara de Ray Davies, vocalista e compositor que fundou a banda com seu irmão Dave, para perceber todo o cinismo de suas letras.

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)
Ray Davies (de camista cor sim cor não) e sua carinha de deboche

Davies sempre teve um olhar irônico e ferino sobre a sociedade inglesa, o Village Green é basicamente sobre isso, mas é o seu álbum seguinte, Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire), que melhor retrata sua contraditória relação com a Inglaterra.

O que é mais engraçado é que eu teria muito ranço se alguma banda norte-americana fizesse um disco temático sobre a história dos USofA, o que talvez seja o motivo de eu nunca ter muita afinidade com o Bruce Springsteen (porém, o motivo real é que, infelizmente, ele parece muito um Eddie Vedder solo). Seria como ler um gibi do Capitão America. Não sei, não desce. 

Consequentemente separei não um, mas três discos sobre a história e a sociedade inglesa, começando justamente com Arthur.

The Kinks – Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire) 

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)

Como foi dito antes, The Kinks já era uma banda bacana quando lançou esse disco. Seu sucesso veio, como todas as bandas inglesas da época, na rasteira dos Beatles. Os Kinks surgiram como uma banda pesada, segundo a lenda eles foram a primeira banda a usar uma distorção na guitarra em uma música pop. 

Porém, aos poucos eles foram diversificando seu repertório. Face to Face e Something Else são ótimos discos que já indicavam o que viria a seguir, ou seja, suas três obras primas: Village Green, Arthur e Lola Versus Powerman and the Moneygoround, Pt. 1 (eles eram meio megalomaníacos nos títulos, não julgo).

Arthur começa como uma ode à Rainha Victoria e ao seu período de expansão econômica e pouca liberdade nos costumes, assim como Yes Sir, No Sir. Some Mother ‘s Son é sobre jovens mortos na guerra (e que fazia sintonia com a época de seu lançamento, já que a Guerra do Vietnã estava a mil). A apatia da sociedade inglesa aparece em Drivin’ e Brainwashed, mas é em Australia que ela é melhor exemplificada.

A faixa comprida é seguida por outra, Shangri-la, uma homenagem à praia do litoral gaúcho. Outra é feita para uma época mais simples e tranquila (Young and Innocent Days) enquanto 

Nothing to Say é novamente sobre a apatia de uma sociedade estagnada e fora de seu tempo. O disco termina com a faixa título, Arthur. Em sua concepção, o disco deveria servir como trilha sonora de um projeto de Davies que nunca saiu do chão e que era baseado em seu cunhado (o Arthur em questão) que emigrou para a Austrália e como ele teria saudade da terra natal.

Blur – Parklife

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)

Diferente dos outros álbuns aqui citados, Parklife não conta sobre a história inglesa propriamente dita, mas é um recorte sobre a sociedade britânica no meio dos anos 90. Aqui é possível, em comparação com o álbum dos Kings, identificar como muito do comportamento dessa sociedade continua o mesmo, apenas as tecnologias são outras.

Na minha opinião esse é o melhor disco do Blur, não necessariamente possui as melhores músicas deles (Coffee and TV, Tender, The Universal e Out of Time), mas é o mais coeso, funciona melhor como estrutura, algo que eles já tinham tentado e quase conseguido com o disco anterior Modern Life Is Rubbish.

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)
Vamos combinar, Damon Albarn tem uma carinha de chama soco

Parklife conta com dois sucessos radiofônicos da época: a faixa-título que versa sobre os costumes pouco saudáveis da sociedade inglesa (Parklife pode ser traduzida como sedentarismo) e combina na temática com Nothing to Say do disco dos Kinks. Já Girls and Boys é balada, drogas e ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo, antecipando em vinte anos a geração mais amor por favor, gratiluz e tatuagens místicas.

Porém, é nas canções não tão famosas que a banda verdadeiramente brilha. End of a century é uma balada desesperançada sobre a solidão: 

We all say “don’t want to be alone”
We wear the same clothes ‘cause we feel the same
We kiss with dry lips when we say goodnight
End of a century, oh, it’s nothing special

Beadhead e To the End (com direito a participação da musa do yè-yè-yè francês, Françoise Hardy) estão entre as melhores coisas que o Blur já fez, enquanto London Loves comenta a adoração dos londrinos por carros em alta velocidade (algo que possuem em comum com os brasileiros, que adoram um vrum-vrum de madrugada sem motivo algum). Já This is a Low é uma balada apoteótica que fecha (?) o disco. 10/10

PJ Harvey – Let England Shake

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)

Lançado em 2011 esse é um dos discos lançados na última década que mais ouvi (o outro é “Have on one me”, da Joanna Newsom que seguramente vai aparecer aqui). Polly Jean sempre foi uma artista singular, seus discos sempre contaram com muita variação, de guitarras cruas e pesadas, experimentalismo e uma sexualidade longe dos clichês. Desde Dry (1993) até White Chalk (2009) sempre foi difícil saber o que esperar do próximo trabalho dela. Mesmo assim, ninguém estava esperando isso.

Let England Shake (ou Deixe a Inglaterra mexer a raba) é um disco, para dizer o mínimo, estranho: da escolha do tema (a participação da Inglaterra em guerras), passando pelos instrumentos utilizados (o disco tem como som característico a auto-harpa, um instrumento musical da família das cítaras que possui uma série de barras de acordes anexadas aos amortecedores e que, quando pressionadas, silenciam todas as cordas que não fazem parte do acorde desejado) até a própria estética de PJ, como seu vestido vitoriano e penas negras no cabelo, o que o pessoal chama de visu.

3 discos sobre a História da Inglaterra (ou quase isso)
Estilo longe das passarelas

É muito difícil encontrar um ponto alto nesse disco, ele é daqueles trabalhos que a cada audição uma faixa se destaca e você fica o tempo todo trocando de música preferida. Para completar, não existe um hit ou música de trabalho, PJ criou 12 clipes de estética única  para cada uma das canções. Para saber mais sobre o trabalho audiovisual deste e do próximo disco The hope six demolition project temos esse outro artigo do Maikel de Abreu, entendido do assunto.

Estranho, melódico, complexo, Let England Shake é antes de tudo um disco perfeito para quem gosta da PJ Harvey ou mulheres com penas de corvo na cabeça, mas qualquer tentativa de tentar explicar a sua força através do texto é trabalho em vão.

Para saber mais sobre discos históricos e opiniões bem fundadas sobre música (ou qualquer outro assunto, tipo os melhores tipos de vagens) acesse o restante do blog, sempre com novidades.

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