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Magia top, processos, meritocracia e bingo: a loteria da NBA está chegando

Quando se começa a acompanhar as ligas de esportes norte-americanos, geralmente uma sequência de perguntas surge: “que?”, “ahn?” ou “como?”. Isso porque, na maioria das vezes, quem começa a assistir esses esportes setentrionais já está habituado a alguma forma de organização desportiva comum do sul geopolítico.

O modelo norte-americano é completamente diferente do resto do planeta, inclusive em esportes que são praticados mundo afora. É o caso do basquete, com estruturas das categorias de base tão díspares quanto o sistema métrico (superior em todos os sentidos e um lindo legado da Revolução Francesa) e o imperial (buuuuuuu).

A organização dos esportes coletivos também. Fora o fato irritante de que um campeão meia-boca de um torneio de biboca qualquer ser chamado de “world champions”, as ligas norte-americanas não possuem divisões, ou seja, não existe rebaixamento. Isso permite que fracassos históricos continuem participando dos mesmos campeonatos que as equipes que quebraram recordes. Ode a meritocracia.

A loteria da NBA está chegando
world champions do snooker xtreme 23

E meritocracia nos olhos dos outros é refresco. Nas principais ligas existe o famigerado teto salarial, que é vendido como uma forma de equilibrar o campeonato (mas também é uma forma bem peculiar de restringir o aumento de salário dos jogadores, enquanto a mão invisível do mercado dá aquela palmadinha nas nádegas liberais).

Esse teto permite que times de grandes cidades como Los Angeles, Nova York e Miami tenham as mesmas chances de contratar grandes jogadores quanto outras cidades de menor porte como Sombrio, Anta Gorda e Nova Pádua. Esse tipo de gestão funciona melhor em algumas ligas do que outras, na NFL é sucesso (muito porque a maioria dos jogadores são dodóis da cabeça), na NBA não.

Já outra forma de permitir que a meritocracia role solta, só que não (tal qual self made man que é herdeiro de uma mina de esmeraldas) é o “draft” ou recrutamento. O draft é o momento em que as equipes escolhem os novos jogadores de categorias não profissionais, seja das universidades, seja de outras ligas ao redor do mundo.

A maioria dos drafts funciona da mesma maneira, quanto pior foi o time na temporada anterior, melhor será a sua escolha. Se o seu time teve um desempenho tão fraco a ponto de deixar o Íbis envergonhado, então ele será agraciado com a primeira escolha no draft e a oportunidade de abocanhar o melhor jogador disponível.

A loteria da NBA está chegando
Mais um atleta feliz em jogar pelo Antônio Prado Pasta Eaters

Obviamente essas escolhas estão bem longe de ser uma ciência exata, muitos jogadores não atingem seu potencial e por diversas razões, desde lesões até vícios em cheetos bola sabor faisão defumado (JaMarcus Russell do então Oakland Raiders é um caso clássico). Já outros grandes estavam escondidos em escolhas maiores e passaram despercebidos por diversos times (Nikola Jokic e Tom Brady são exemplos clássicos). Uma mistura de competência e sorte.

Mas ao contrário da NFL onde os jogadores e comissão técnica são, como dito antes, dodóis da cabeça (e porque o campeonato é rápido o suficiente para não permitir muitas falcatruas) a NBA, com seus 82(!) jogos de temporada regular precisou pensar em maneiras para que as equipes não perdessem de propósito e começassem uma guerra. Foi assim que a loto fácil se uniu ao basquete.

Moedas e bingo

No começo da NBA a ideia era bem simples, o pior time ficava com a primeira escolha do draft. Haviam escolhas territoriais, uma forma de economizar nas passagens de avião, mas basicamente era isso. Foi apenas em 1966 que surgiu o cara-e-coroa: as piores campanhas de cada conferência decidiam na moedinha quem ficaria com a primeira escolha.

A loteria da NBA está chegando
Porcentagens simples

Esse método um pouco incomum durou vinte anos. Ele até trazia alguma emoção para as duas equipes participantes, mas nada comparado ao entretenimento de uma loteria, não é mesmo? Introduzida em 1985 a ideia é relativamente simples: os times de pior campanha tem as maiores chances de serem sorteados nas primeiras posições, mesmo assim, mesmo sendo uma desgraça de time, havia a possibilidade da pior equipe não ficar com a primeira escolha do draft.

Até 2019, por exemplo, a franquia com o pior desempenho tinha 25% de ficar com a primeira escolha do draft, o que acontecia com certa frequência. A segunda pior campanha já diminuía essa possibilidade para um pouco mais de 13%, ou seja, uma vantagem significativa. Isso fazia com que, quando surgia uma grande jovem promessa no draft, alguns times botassem seus tanques nas quadras.

A loteria da NBA está chegando
Vai começar a mega sena da virada

Tank!

A expressão tankar agora faz parte do vocabulário do jovem (ou não) internauta que frequenta redes sociais de caráter duvidoso. Porém, para quem acompanha a NBA essa expressão já é antiga. 

Talvez o time que melhor simbolizou essa prática foi o Philadelphia 76ers do começo da década de 10. Com a ideia básica de que os torcedores estavam cansados de times competitivos, mas que não tinham condições de disputar o título, o General Manager (título que pode ser traduzido como “Quem manda prender e manda soltar”) Sam Hinkie decidiu começar O Processo. 

A loteria da NBA está chegando
Joel Embiid felizão por ter sido escolhido pelo 76ers

The Process, em inglês selvagem, consistia em: criar um time de jogadores jovens e sem muito potencial, perder o maior número de jogos possíveis, fazer negociações para futuras escolhas no draft, tudo para poder, a médio-longo prazo, ter as primeiras escolhas do draft e poder encontrar seu jogador-salvador.

Os 76ers realizaram esse desmonte por algumas temporadas, mas torcida e imprensa começaram a ficar incomodadas, e Hinkie foi demitido. Demitido não, virou mártir, já que sua estratégia fez com que o time da Pensilvânia escolhesse o pivô Joel Embiid, um dos candidatos a melhor jogador da liga nesta temporada.

Mas também fez com que a NBA começasse a prestar mais atenção nesse esquema nefasto e colocou em prática mudanças para desincentivar o tank, nivelou as chances da primeira escolha entre os três piores times, todos com 14% de chance, uma mudança significativa.

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Hinkie: louco ou visionário?

Essa alteração aconteceu porque, geralmente depois do final de semana das estrelas, alguns times, sem muita chance de se classificar para os playoffs começaram a: inventar jogadores no NBA2K; transformá-los em jogadores reais; e colocá-los em quadra. Tudo para aumentar o número de derrotas e as chances na loteria. 

Porém se ficar com a pior campanha era quase uma garantia de uma boa colocação na loteria, isso não evitava que grandes zebras acontecessem. Alguns times com chances menores do que 5% já ficaram com a primeira escolha no draft. O caso mais famoso foi o Orlando Magic de 1993.

It’s a kind of magic

O Orlando Magic foi uma das franquias que adentraram a NBA no final dos anos 80 e, apesar de seu forte componente Disney no nome e nas redondezas, a equipe não enfeitiça o seu público, ainda mais comparada com equipes que entram na mesma época e que já haviam até participando dos playoffs, como o Charlotte Hornets (mal sabiam eles) e o Miami Heat.

Com um time muito ruim e a segunda pior campanha da liga, o time da Flórida teve seu primeiro golpe de sorte e pulou da segunda para a primeira posição no draft. Porém essa não era um draft qualquer, a primeira escolha já tinha nome e sobrenome e vinha com a expectativa de se tornar um dos melhores jogadores da história da NBA: Shaquille O’Neal.

A loteria da NBA está chegando
Carisma define

Com o pivô-rapper-ator sensação no elenco, o time começou a soltar umas magiazinhas aqui e ali. Ainda longe de ser um time competitivo, o Magic já dava sinais de melhora, tanto que ficou fora dos playoffs por pouco.

Ficar fora dos playoffs foi pura sorte. A equipe ficou com a décima pior campanha e com apenas 1,52% de chances de ficar com a primeira escolha, mesmo assim rolou outra magia top e Orlando teve a oportunidade de escolher por primeiro. Só não o fez porque trocou essa primeira posição no draft por outras escolhas, o que lhe rendeu o ótimo armador Penny Hardaway, um dos jogadores mais eletrizantes da segunda metade dos anos 90, que só não teve uma carreira melhor por conta de muitas lesões. A dupla Shaq e Penny era tão boa que conseguiu levar o Magic até as finais da NBA em 1995.

A loteria da NBA está chegando
O que não foi mas poderia ter sido

Mas apesar da saída de Shaq, apenas algumas temporadas depois, essas escolhas foram importantes, pois colocaram o Orlando Magic no mapa da NBA, transformando em uma equipe competitiva, com torcedores que lotaram o ginásio e depois iam dar uma volta de montanha-russa ou qualquer outro brinquedo de uma Dinsey lotada de brasileiros quando o dólar estava a apenas 1 real, bons tempos…

Para saber mais sobre loterias, jogos de azar, bingo, jogo do bicho, maquininha caça-níqueis escondidas em muquifos no fundo de bares em periferias da Serra Gaúcha e equipes que deveriam ter sido, mas nunca acabaram sendo, acesse o restante do blog.

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