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Big Bang Theory, The IT Crowd e o humor bazinga

Não lembro exatamente qual foi ano, acredito que no começo da década passada, em que Maikel de Abreu, outro atuante membro deste blog, desabafou: “tô cansado desse humor bazinga!”. O motivo da revolta dele na época era com a infestação de camisetas de super-heróis entre os membros da juventude descolê. Essa revolta também poderia ser entendida como indignação contra a ascensão do nerd, mas não do nerd raiz (de que de certa forma ele fora membro honorário, porém nunca um membro atuante da tribo), mas desse outro ser, muito mais perigoso, o nerd pop-funko.

Duvido muito que Maikel tenha assistido algum episódio de Big Bang Theory completo. Consigo até visualizar a cena: ele parando para assistir a série junto com seus antigos colegas de moradia por alguns minutos, até finalmente soltar um uivo de dor:” AARRRGH não aguento isso” e sair correndo para seu quarto assistir um documentário do Herzog.

Mas apesar de não ser um grande fã de enlatados americanos, e por isso não ter lugar de fala com risadas de fundo, a revolta de Maikel estava correta. Apesar de toda a popularidade Big Bang Theory foi uma série muito ruim (apesar de ainda ter uma grande legião de fãs e boas críticas, tanto que sua nota no IMDB e rotten tomatoes é acima de 8) e, de certa forma, perigosa. Para explicar essa teoria, vamos compará-la com sua irmã inglesa, The IT crowd, para demonstrar como o humor bazinga é um sintoma de uma sociedade doente (das vistas).

The Big Bang Theory e a falácia do nerd legal

Big Bang Theory, The IT Crowd e o humor bazinga

Existem dois pontos importantes que fazem com que Big Bang Theory seja uma série tão ruim. O primeiro é a construção dos personagens. A série possui 8 personagens principais, 4 nerds, 2 mulheres e uma gostosa – sim, essa é a ideia. Mas na verdade possui apenas 3. Explico. Dos 4 nerds podemos tirar dois, Sheldon e os outros. E as mulheres são todas iguais.

Sheldon é o único que possui algo parecido como uma personalidade e nesse caso não é algo bom, mas vamos deixar ele para depois. O restante do grupo se distingue apenas por um fato, a raça: temos um indiano, um judeu tarado e um judeu bonzinho e é isso. Suas personalidades são iguais, seus gostos, suas referências são iguais. O fato de um dos personagens ser indiano serve o propósito de fazer piada com a cultura, quando convém.

Já em relação às personagens femininas a construção é ainda pior. Penny, que tinha a finalidade de ser o elemento “normal” na vida deles, aos poucos se torna uma personagem igual as outras duas namoradas, cuja existência é justificada pelo elemento casalzinho dessas séries, o que a transforma, assim como Friends, uma comédia romântica de 250 capítulos. Além disso, a presença dela na série é justificativa para uma quantidade enorme de piadas sexistas. A relação dos nerds com o elemento feminino são explicados com mais profundidade no vídeo abaixo.

Chegamos agora ao Sheldon. Por ter uma característica, digamos, distinta dos outros – já que ele parece um indivíduo totalmente voltado para a ciência e o saber, fato importantíssimo em tempos de crescimento de movimentos antivacina, por exemplo – ele poderia ser o grande trunfo da série, mas ele é responsável pelo seu horror. O fato de ele ser absurdamente inteligente, pelo menos para a galera de exatas, o permite ser a pior pessoa do mundo. Ele é mimado, antipático, manipulador, grosseiro e egoísta, isso só para começar. O personagem só revela o que todo mundo já sabe, que o homem branco rico pode fazer qualquer coisa.

Além disso, ele reforça a ideia de que quem tem um conhecimento na área, especialmente se está dentro de uma academia, pode ser prepotente, o que torna suas piadas nada mais que grandes textões do Facebook. Se a série fosse uma crítica a esse tipo de comportamento Sheldon deveria ter apanhado logo no primeiro episódio, mas o que acontece é justamente o contrário, ele é incentivado a ser essa pessoa horrível sem qualquer consequência.

O segundo ponto é que Big Bang Theory traz à tona um ser que estava no porão da história: o nerd. Mas não estamos falando de um nerd que fica jogando WOW madrugada adentro enquanto toma fruki-cola com fandangos, mas outro tipo, o nerd pop-funko.

O nerd pop-funko é o equivalente da menina que usa a camiseta dos Ramones sem ter ouvido nenhuma música, só que uma versão ruim dela. Pois ao contrário da menina, o nerd pop-funko se imagina um dos integrantes da tribo só porque assistiu 5 filmes da Marvel.

E não é problema só assistir 5 filmes da Marvel – assim como não é problema assistir todos e ler todos os gibis – o problema é se achar uma vítima da sociedade porque se vê muito inteligente, bonito e puro, e, justamente por isso, não é correspondido amorosamente. É inventar que é desprezado só porque tem um funko do Wolverine na estante ou porque assistiu Watchmen e não entendeu que o Rorschach é o vilão da história.

E isso é culpa de quem? Sheldon, essa versão bazinga do Morrissey. Ele e sua turma criaram esse nerd que, por incrível que parece, acredita em terraplana e se diz anti sistema, responsável direto pelo incel virar modinha.

The IT Crowd e o porão nerdola

Big Bang Theory, The IT Crowd e o humor bazinga

Essa série inglesa é apenas 1 ano mais velha que a companheira americana, porém em termos de episódio é muito mais curta, cerca de 200 a menos. E esse é apenas um dos detalhes que fazem dela uma série muito melhor. A outra é o humor inglês.

Ao contrário da maioria das séries americanas, os sitcoms ingleses não têm um compromisso com a “realidade”, as situações são tão absurdas que o telespectador não se sente vendo uma historinha bonitinha, mas o que ela realmente é, uma bobagem. Obviamente que em The IT Crowd não temos Pablo Picasso pintando um novo quadro enquanto pedala por rodovias movimentadas de Londres, mas quase.

Porém, apesar das situações absurdas, os personagens de IT Crowd são muito mais humanos. Roy é uma mistura de Leonard e Howard: nerdola, estranho e sempre atrás de uma companheira amorosa e, portanto, contém as imperfeições e qualidades dos dois. Jen é a chefe que não sabe nada de computadores e tecnologia, ela leva o mundo “real” para o literal porão onde fica o departamento de TI, e a relação entre ela e os outros personagens, apesar de ser superior dentro da hierarquia corporativista, é de simbiose.

Por fim temos Moss, uma mistura de Sheldon e Raj. Ele é certamente o mais inteligente do grupo, mas também o mais estranho socialmente. Ele gosta de RPG, Senhor dos anéis e outras dessas bobagens, mas em nenhum momento somos bombardeados por essas referências. E apesar de todos os defeitos e estranhezas Moss, é muito mais gostável.

Que fique bem claro. Como pessoas, os personagens de IT Crowd são horríveis – estão muito mais para Seinfeld do que para Friends – as situações são burlescas, porém em nenhum momento ninguém vai para a NASA. Além disso, por retratar o nerd de uma forma mais humana, eles só não fizeram mais pela classe pois existe um homem chamado Casimiro Miguel.

Você pode assistir todos os 43 episódios de The IT Crowd na Netflix, basta mudar a configuração do seu idioma para inglês. As legendas estão em português de Portugal, o que pode deixar as piadas ainda melhores. E Big Bang Theory? não me interessa onde esteja passando.

Para mais análises apronfundadas como essa acesse o restante do blog. E não deixe de comentar (xingar o autor) e compartilhar esse post.

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