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Chandler Bing, um herói de nosso tempo (ou porque Friends é bom, às vezes)

Em algum momento do começo dos anos 10, comecei a ouvir essa frase com certa frequência: “minha vida daria um sitcom”. Uma frase absurda por si só, mas que se torna ainda mais absurda quando era proferida por frequentadores de inferninhos (quando estavam levemente alcoolizados), estudantes de faculdades sem qualquer diferencial e com empregos tão monótonos que faziam com que suas vidas fossem um eterno observar a tinta secar.

Mas naquelas poucas horas em que se espremiam em áreas de fumantes ou espremiam os olhos em uma tentativa parca de sedução, ouvindo de Florence que os dias de cachorra havia acabado, contando com a aprovação que centenas de likes em fotos de perfil do Facebook podem dar, a frase acima era dita sem constrangimento.

Estávamos vivendo os últimos anos das sitcoms com risadas gravadas, estilo que Big Bang Theory fez questão de enterrar, graças a sua qualidade no mínimo lamentável. Mas naquela época elas ainda faziam algum sentido e ao mesmo tempo começavam a cair em desgraça. Citar um bordão de Seinfeld ou basear sua personalidade em um personagem de How I met your mother – que em outros anos só causavam frisson – agora vinham com algumas expressões de constrangimento.

Chandler Bing, um herói de nosso tempo
Imagine basear toda sua personalidade no Barney?

Foi mais ou menos por aí que ser fã de Friends passou de atributo básico para o jovem adulto descolado para se tornar uma beige flag (não chegava a ser uma red flag, mas quase). O conteúdo dos sitcoms dos anos 90 com suas famílias em subúrbios e adultos solteiros – pagando o aluguel de grandes apartamentos em Manhattan com o salário de garçonete ou atendente de videolocadora – já não faziam mais sentido. 

E dessa forma, apesar de contar com fãs ainda saudosos de suas infâncias e juventude, quando assistiam na Warner Channel (os true assistiram primeiro na Sony, logo após Seinfeld), Friends se tornou um produto datado, só agradando aqueles que viveram a época, da mesma forma que boomers  ainda choram de saudade pelo humor raíz dos trapalhões.

Mas o que fica perdido nessa história é que, no final das contas, Friends era muito bom (bom, pelo menos até certo ponto) e que o principal responsável por essa qualidade (não necessariamente o sucesso) foi Chandler Bing.

Para os saudosos de Tudo por um Gato

Essa mudança da opinião pública em relação a Friends fez com que, aquilo que até então parecia impossível, tenha se tornado realidade, vou ser obrigado a defender a série. Defender naquelas, afinal ela contém muitas das falhas encontradas nesse tipo de série pré anos 2000 (os personagens menos brancos são o namorado italiano da Rachel e a namorada chinesa do Ross), como a desconexão com a realidade, as frases de efeito, os bordões e os melodramas baratos.

Mas a verdade é que muitos desses problemas se acentuaram nas temporadas finais da série, quando roteiristas e produtores tinham que apelar para essas formas manjadas de sucesso para dar ao público o que ele queria, ou seja, uma novelinha com risadas.

Sinto informar, mas as primeiras temporadas de Friends são boas. Se você passou tardes nos anos 90 zapeando (nossa senhora, a pessoa entrega a idade só usando essa gíria, é como navegar na internet) entre os canais da tv a cabo, provavelmente se deparou com verdadeiras aberrações como “Suddenly Susan” ou “O mundo é dos homens” (Men Behaving Badly), produções que se passaram de um temporada já foi uma vitória (certamente não para a humanidade).

Chandler Bing, um herói de nosso tempo
Eu era uma das 5 pessoas que assistiam essa série

O grande problema de Friends foi o sucesso. Uma série que seria perfeita com quatro ou cinco temporadas foi se alongando à medida que o dinheiro ia entrando. E esse prolongamento só trouxe ideia errada. Ross, de mocinho da trama, se tornou um psicopata. Rachel de mocinha se tornou ainda mais chata. Joey, de garanhão italiano (quem pegou a referência, pegou) se tornou um bobalhão apaixonado. E Phoebe continuou Phoebe.

Os personagens casaram, tiveram filhos, passaram por trocentas situações e continuaram a se comportar como se recém houvessem saído da adolescência. É possível dizer que eles sofreram um processo de amadurecimento ao contrário (esverdeamento?) durante as dez (!) temporadas da série. Exceto Chandler.

Chandler Bing, vida e obra

As primeiras temporadas de Friends são focadas no relacionamento de Ross e Rachel (spoiler alert de 30 anos) que, nesses primeiros anos, não eram insuportáveis. Phoebe e Joey eram alívios cômicos do mesmo nível da Magda de Sai de Baixo, Monica estava ali, fazendo o seu papel,mas era Chandler o personagem engraçado da série.

Chandler Bing, um herói de nosso tempo
A série foi perdendo em qualidade a medida que o cabelo da Rachel foi perdendo volume

Ele fazia o contraste perfeito entre Joey (bobo, bonito e sedutor) e Ross (inteligente, estranho e romântico). Chandler não precisava dessas definições óbvias, ele era só um cara. Não necessariamente um cara legal, mas ele era, em certa medida, o mais próximo de uma pessoa real. Ele tinha um trabalho chato, tinha suas vitórias e derrotas no campo amoroso, era inteligente e engraçado (mas não era chato e bobo como os outros personagens masculinos) e, não poderia ser diferente, vivia a sombra desses outros personagens.

Mas uma revisitação aos primeiros anos da série vai mostrar (ignore todo o romance de malhação que acontece entre os personagens começando com R) que os melhores momentos, as melhores tiradas, as partes mais interessantes da série envolvem Chandler.

Um exemplo básico, na segunda temporada temos um episódio em que Chandler é, digamos, o protagonista (The One Where Heckles Dies). Mr. Heckles era o vizinho chato do andar de baixo que vivia importunando Rachel e Monica. Após a sua morte, os personagens vão ao seu apartamento e descobrem (quem diria?) que ele era uma pessoa. Ao vasculhar seus pertences, Chandler se identifica com ele, pois o Senhor Heckles havia sido um jovem engraçado e com gostos peculiares, mas que a velhice e a solidão haviam azedado. Logo Chandler começa a temer por seu futuro, e se ele morresse solitário? E se ele se tornasse o velho chato do andar de baixo? Uma pergunta que muitos se fazem aos 26 ou 36 (eu, com 16, assistindo a série, achava que certamente teria o mesmo destino).

É claro que o personagem Chandler tinha seus defeitos, com seus bordões, frases de efeitos e comportamentos exagerados, mesmo assim, ele parecia o mais próximo de uma pessoa real. Até mesmo o fato de ele ter ficado com a amiga (começaram um tanto embriagados depois de um casamento) e ter continuado com ela pelo resto da série, permanecendo em um relacionamento um tanto quanto normal, não diminui sua capacidade de ser engraçado, justamente por ele não ser baseado em uma característica só (bobo, romântico, psicopata e aí vai).

Por isso, nem que seja só pelo Chandler (e Monica, cujo grande defeito é ter mania de limpeza, que horror), Friends merece ser vista, de preferência só as primeiras temporadas. Em alguns momentos ela vai parecer datada, em outros problemática, mas na maioria do tempo ela vai ser o que toda sitcom deveria tentar ser, divertida, é Chandler é o principal motivo disso acontecer.

Chandler Bing
Chandler, ícone fashion dos anos 90 que tentou trazer o colete de volta

Obviamente, boa parte do mérito na criação de um personagem tão carismático fica na conta de Matthew Perry que, com exceção de Jennifer Aniston, não conseguiu furar a bolha de Friends, mesmo quando protagonizou projetos promissores como “Go on”. Mas não vou entrar no mérito do porquê isso aconteceu ou na vida privada do ator, afinal essa é uma celebração de Chandler e de tardes e mais tardes na companhia de sitcoms ruins (boas?).

Para mais análises nostálgicas causadas pela morte de algum artista ou apenas porque fiquei algumas horas “navegando” no IMDB, acesse o restante do blog. E não deixe de comentar e compartilhar esse post.

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