Logo Cohenismo

Leonard Covers: as melhores versões das canções de Leonard Cohen

Quem nunca passou por essa situação (provavelmente muita gente): você estava ali, tranquilo, realizando qualquer tipo de trabalho suado, pensando quando o vale alimentação ia cair ou se teríamos feriado no meio da semana, quando um(a) colega começa a cantar – primeiro apenas com um fiapo de voz, para depois ir crescendo e crescendo, a voz e a pessoa cada vez mais confiantes até retumbar no refrão – Hallelujah em uma versão gospel PT-BR.

Sim, eu já fui vítima de um avivamento no meio de um plantão em um sábado a tarde. O fato de eu explicar que originalmente aquela música não tinha de religiosa, pelo menos não no sentido evangélico de televisão aberta, de nada adiantou, afinal eu já havia sido marcado com óleo ungido em meu armário. Eu era do lado vermelho da força e obviamente usava truques de maquiagem para esconder meus chifres e rabinhos.

Leonard Covers: as melhores versões das canções de Leonard Cohen

Aquela situação me deixou muito desapontado. Se fosse uma versão Herbert Richers de qualquer outro artista eu teria me importado menos, mas Leonard Cohen era minha religião e eu detestava ver a sua mensagem deturpada (assim como alguns cristão também não devem gostar desse Cristo armamentista e vingativo).

Eu sei, seria muito difícil para o brasileiro resistir a uma versão toda trabalhada no cabelo até as ancas de uma música chamada Aleluia, afinal ela estava pronta, não só para ecoar em igrejas e templos, mas em casamentos e formaturas. Não à toa uma versão live ao piano foi tocada enquanto eu subia ao palco para pegar meu diploma. Obviamente uma piada de mal gosto de quem comanda tudo lá de cima, no caso o próprio Leonard Cohen.

Leonard Covers: as melhores versões das canções de Leonard Cohen

Porém, toda vez que eu vejo Hallelujah ser cantada por alguém com chapéu de cowboy em algum show pirotécnico do agro no interior do Mato Grosso, uma lágrima furtiva ocorre. É um massacre. E isso me fez pensar em outras versões, não necessariamente pentecostais da música, e se haveria alguma boa regravação dessa canção, afinal, vamos admitir, ela está a um milímetro de se transformar em algo tão brega quanto uma mensagem de bom dia de sua mãe no Whatsapp.

Essa pergunta inicial me fez pensar em outras versões, quais eram realmente boas e quais apenas usavam o nome de Leonard em vão? Ou seja, eu estava a um passo de criar (mais) uma lista de Leonard Covers, as mais belas versões de Leozinho. Vamos a ela:

Hallelujah – Jeff Buckley

Vamos começar com a mais óbvia, afinal antes de Shrek (!) essa canção era mais conhecida pela versão de menino Jeff do que a original. Alguns chegaram a cometer a heresia de afirmar que essa é uma versão melhor que a de Leonard, mas daí já é ir longe demais. 

Geralmente o pessoal fala isso pois a original de Cohen, gravada em 1984, está encharcada de seu novo amigo, um teclado Cassio de churrascaria, o que torna tudo mais brega. É o que acontece nessa versão, mas isso não é razão para reescrevermos todo o Velho Testamento, só porque ele tem umas partes (no mínimo) controversas.

A versão de Buckley é crua e carregada de emoção, característica de sua obra e acredito que simplicidade dos arranjos é o que torna essa versão superior a outras tentativas de Hallelujahs (mais próximas de uma missa com pompa e circunstância na Catedral), enquanto a de Jeffinho é uma simples prece de alguém angustiado e solitário em casa.

Famous Blue Raincoat – Tori Amos

Se Buckley tirou as camadas de uma canção, a versão de Tori Amos fez justamente o contrário. Não, ela não é recheada de cordas e camadas sonoras, mas há algo na sua interpretação que deixa tudo mais pomposo e grandioso.

A versão original é basicamente uma carta para um friend-enemy, com a esperança que ele tenha pena de Leonard e não fique cortejando a sua esposa. Uma espécie de Jolene bem menos direta. É uma versão melancólica, com vapor saindo das sarjetas, neblina, fumaça de cigarro e frio.

Já na voz de Tori, a carta parece ser escrita em uma escrivaninha fancy em um quarto iluminado e com um vislumbre de um campo ou algo assim, menos suja, menos urgente, mas não menos triste e melancólica.

Story Of Isaac – Suzanne Vega

Essa canção relata justamente a história bíblica de Abraão que, por algum motivo, deveria matar seu filho só porque Deus queria fazer uma pegadinha (muito da sem graça, por sinal). A história é contada pelo olhar do filho, Isaac, que não está entendo nada daquela bobajada toda.

A versão de Suzanne (que só por ter sido batizada com o nome de uma das canções mais importantes de Leonard, já é motivo para entrar nessa lista) é singela, cantada como se fosse uma linda história de pai e filho e não um drama mitológico paternal com algumas ideias erradas e um Deus com o arquétipo do Ivo Holanda.

Sisters Of Mercy – Beth Orton

Um ponto em comum que as versões dessa lista possuem é que boa parte delas é realizada por mulheres. Refletindo sobre isso, minha conclusão é relativamente simples, as versões originais de Leonard já contam com a gravidade masculina, e algumas delas, quando interpretadas por homens parecem tentativas frustradas de replicar a profundidade de Cohen.

As versões femininas, por outro lado, tentam encontrar pontos não explorados das músicas, muito mais sensíveis a melodia e as letras do que a maioria de suas contrapartes masculinas. É o caso dessa versão de Beth Orton presente na apresentação “Leonard Cohen: I’m Your Man” que virou disco e DVD.

The Traitor – Martha Wainwright

Dessa mesma apresentação foi retirada uma das minhas favoritas, The Traitor, sem dúvida uma das mais belas letras gravadas por Cohen. Esse foi um dos raríssimos casos em que ouvi primeiro a versão cover antes da original e ela foi bem impactante.

A letra sofrida sobre um soldado que é justamente listado como um “inimigo do amor” é material perfeito para a voz igualmente sofrida de Martha Wainwright, cantora canadense (assim como Leonard) que pertence a uma linhagem de grandes cantores (seu pai London e o irmão Rufus são grandes nomes do folk do país), e que a transforma nesse belo lamento romântico. 

I Can’t Forget – Jarvis Cocker

Lembra daquele detalhe das vozes graves masculinas não recriaram a profundidade das interpretações originais de Leonard? Bom, toda regra tem sua exceção. A mesma apresentação traz essa versão que combina todo o cinismo de Cohen com a versão  igualmente cínica de Jarvis Cocker, do Pulp.

A diferença da sua versão, para outras como as de Nick Cave ou Peter Gabriel, é que Jarvis não se leva a sério, ele se revela um monge budista piadista ou um palhaço melancólico da mesma qualidade de Leonard, a diferença é que Cocker toma emprestado um pouco do charme cool de Serge Gainsbourg para essa versão (e para toda a sua carreira no geral).

Hey, That’s No Way to Say Goodbye – The Lemonheads e Liv Tyler

Okay, essa faixa eu tropecei sem querer ao procurar algumas boas versões para esse artigo e com certeza não havia ouvido ela até então. De 2009, ela combina toda a suavidade de um Leonard Cohen em começo de carreira com o rock alternativo dos anos 90, quando ainda era cru, imperfeito e belo.

Também não estava preparado para a participação de Liv Tyler, que não havia ouvido falar desde a sua gloriosa participação nos video clipes do Aerosmith, mas que traz um toque sensível a essa versão da banda do brasileiro adotado Evan Dando (quem está por fora das aventuras do vocalista do Lemonheads no Brasil tem que ir correndo para o seu twitter acompanhar).

The Jesus and Mary Chain – Tower of Song 

Monótono, autodepreciativo, datado. Todos esses adjetivos funcionam tanto para Leonard Cohen quanto para o Jesus e a Maria Corrente, então  nada mais justo que a sua versão de Tower of Song, uma das mais emblemáticas canções de sua fase cabaré hitec dos anos 80, ganhasse um vaga aqui.

Essa versão é puro Jesus and Mary C: distorção, a voz lenta e cansada dos irmãos Reid, a harmonia característica de sua barulheira tão agradável aos ouvidos alternativos aliados a uma das letras mais cínicas e desesperançadas de Leonard.

Suzanne – Nina Simone

Falar de Nina Simone é o mesmo que falar de Leonard Cohen, é chover no molhado. São dois gigantes da música, enormes por motivos diferentes, mas cuja importância para a música na segunda metade do Século XX é difícil mensurar.

Nina faz com Suzanne o que faz com todas as músicas que grava, ela a transforma em sua (qualidade que ela compartilha com alguns outros, como Johnny Cash), já não pertence mais a Leonard que só pode sorrir ao perceber no que a sua ideia original se transformou, em jazz, gospel e Jesus caminhando sobre as águas.

The Stranger Song – Emmylou Harris

Para fechar mais uma versão feminina. Emmylou tem um grande currículo de gravações de diversos compositores (Gram Parsons é o mais notável) que se transformaram em versões definitivas em sua voz. Não é o caso dessa versão, mas ela quase chega lá.

Nada mais natural que a voz de Emmylou para recriar a solidão desse homem estranho que passa causando confusão e discórdia pelos diversos locais em que passa. Um subversivo, um andarilho, um vagabundo, um vilão, um galanteador, um herói, um completo estranho, assim como Gram, Emmylou e, obviamente, Leonard.

Para mais textos sobre Leonard Cohen ou sobre complicadas relações entre fé e religião na Serra Gaúcha (sim, trabalho infantil e regimes análogos a escravidão são crimes), acesse o restante do blog.

Para receber as novidades do blog, assine nossa newsletter

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Nos siga nas redes sociais
Compartilhe esse post

Acesse o projeto no padrim e nos ajude a continuar criando conteúdo de qualidade.

Ranking dos Mascotes da NBA
NBA
Cesar Mateus

O Ranking definitivo dos Mascotes da NBA. Uma análise fria e imparcial

Durante o longo período de existência desse blog alguns leitores fizeram alguns questionamentos instigantes como: Conhecedor dessas reclamações resolvi criar um artigo sobre um tema sério, relevante e controverso. Não, não vou escrever sobre o conflito Israel/Palestina, mas de um tema tão difícil quanto. E mais do que isso, não

Leia mais »
canções para conhecer Jeanne Cherhal
Música francesa
Cesar Mateus

10 canções para conhecer Jeanne Cherhal

Entre 2007 e 2010 estive em minha fase mais francófona e ela estava estritamente ligada ao fato de fazer aulas de francês. Porém algo que sempre me incomodou foi o fato de, ao contrário da língua inglesa, que adentrava minha rotina de diversas formas – filmes, séries, música e por

Leia mais »
The Soul Patrol - a histórica secundária do Oakland Raiders
Raiders
Cesar Mateus

The Soul Patrol – a histórica secundária do Oakland Raiders

A NFL – na maioria das vezes – é uma liga muito chata, tanto que por muitos anos proibiu comemorações extravagantes ou que envolvessem mais de um jogador, deixando um vácuo de diversão, como a possibilidade da criação de momentos históricos como a dança da bundinha e similares. Extremamente focada

Leia mais »
The Dreaming - O pesadelo percussivo de Kate Bush
Música
Cesar Mateus

The Dreaming – O pesadelo percussivo de Kate Bush

Tenho muitas ressalvas a série Bagulhos Sinistros (Stranger Things), a primeira é ela não ser lá grande coisa, a segunda é essa história de ela ter sido gerada pelo algoritmo do Netflix com base nos gostos dos usuários, criada para dar uma série exatamente como o jovem adulto nostálgico de

Leia mais »
Chandler Bing, um herói de nosso tempo
Séries
Cesar Mateus

Chandler Bing, um herói de nosso tempo (ou porque Friends é bom, às vezes)

Em algum momento do começo dos anos 10, comecei a ouvir essa frase com certa frequência: “minha vida daria um sitcom”. Uma frase absurda por si só, mas que se torna ainda mais absurda quando era proferida por frequentadores de inferninhos (quando estavam levemente alcoolizados), estudantes de faculdades sem qualquer

Leia mais »
Ranking dos uniformes da NBA: city edition 23/24
NBA
Cesar Mateus

Ranking dos uniformes da NBA: city edition 23/24

A crise, ela também é estética. E, obviamente, a culpa é do capitalismo. Eu explico. Ao contrário dos uniformes do futebol que, mesmo trocando ano a ano, ainda são baseados em um design original, ou seja,  apenas alguns detalhes mudam, os uniformes da NBA possuem uma expectativa de vida. Alguns

Leia mais »