Logo Cohenismo

O que parecia impossível aconteceu, Luka Dončić está triste

Existe um certo tipo de filme que, por causa de meus parcos conhecimentos sobre cinema, desconheço o estilo (o pessoal dá nome pra tudo), mas que funciona assim: um problema acontece e na tentativa de resolver esse problema, o protagonista vai se metendo em outros tipos de problema, transformando o filme em uma bola-de-neve de ansiedade.

Os irmãos Cohen gostam muito desse tipo de filme. Já eu,não tenho mais paciência com eles, afinal tudo o que o personagem principal precisa é levar uma carta até a caixa de correio, mas não, ele resolve tomar um café antes e molha a carta, ou perde a chave ou é sequestrado pela máfia da Moldávia. Era só entregar a carta.

Na vida real, obviamente não funciona assim, a nossa rotina é feita de uma divisão de erros e acertos, quase sempre na mesma medida. Uma promoção no aplicativo da Renner vem seguida pela jarra da cafeteira que escorregou da sua mão e se espatifou no chão. E a perspectiva de passar um dia sem café pode acabar com qualquer um.

Portanto, existem os filmes, a vida real e o Dallas Mavericks, um time que fica na fronteira entre o possível e o inimaginável, e não num bom sentido.

Wonder kid

Essa história começa bem, parece mais um conto de fadas. Em 2018 não havia um jogador unânime para ser a  primeira escolha no draft da NBA. Apesar de muitos especialistas afirmaram com convicção que essa escolha deveria ser usada em Luka Dončić, um jovem jogador esloveno que já brilhava nas quadras profissionais do Real Madrid, muitos olheiros preferiam a escolha – menos ambiciosa, mas com maior grau de acerto – do pivô DeAndre Ayton.

Luka Dončić está triste
O Atlanta Hawks teve seus minutos de felicidade

Foi o que fez o Phoenix Suns quando escolheu Ayton com a primeira escolha. Pior foi o Sacramento Kings, equipe que vivia na rua da amargura dos times sem playoffs e que escolheu outro grandalhão, Marvin Bagley III.

O Atlanta Hawks foi mais sábio e escolheu Dončić na terceira posição, para logo depois trocá-lo para o Dallas Mavericks. Dessa forma a história estava sendo reescrita. Dallas ainda contava com Dirk Nowitzki, maior jogador da história do time e que havia trazido o único título para a franquia em 2011, mas que sete anos depois era apenas uma carcacinha alemã tentando se manter no pique da pirralhada.

Logo, a chegada de Luka se transformava em uma troca de reinados, um dos maiores jogadores internacionais a botar os pés nas quadra da NBA ia lentamente passando o bastão para essa nova estrela, igualmente europeia, para novos 20 anos de protagonismo.

Luka Dončić está triste
Luka e seu colega geriátrico

E o que Luka Dončić começou a fazer foi exatamente isso, no momento em que ele chegou na NBA, os times que não o escolheram se arrependeram amargamente, ele obviamente deveria ter sido a primeira escolha do draft.

As comparações logo começaram, especialmente com James Harden, que na época vivia o auge da carreira, Luka era grande para a sua posição de armador, tinha ótimo passe e arremesso e um corpinho de quem não parecia ser grande fã de academias.

Não demorou muito e Dončić já estava no jogo das estrelas, fazendo parte da seleção do campeonato (o all-NBA) e derretendo os corações mais frios com seu sorriso de gurizinho criado a iogurte de morango e bisnaguinhas. Um astro instantâneo. 

Uma sequência de Robins

Os Mavericks perceberam logo que possuíam uma grande oportunidade, uma jovem super estrela do basquete com contrato de novato, o que permitiria ao clube contratar veteranos mais caros e disputar o título mais cedo do que o esperado.

Foi com essa mentalidade que o time de Dallas trocou futuras escolhas no draft e alguns jogadores de elenco por Kristaps Porziņģis, jogador da Letônia que havia se tornado a grande esperança do New York Knicks, mas que havia perdido um pouco do desempenho nas últimas temporadas.

Luka Dončić está triste
O charme do leste europeu

A passagem do unicórnio letão pelo Mavericks foi apagada, não tanto pela qualidade do seu jogo, mas por conta das seguidas lesões que o tiravam de quadra. Com Porziņģis como principal Robin, o time chegou aos playoffs duas vezes e foi eliminado duas vezes pelo Los Angeles Clippers. Resultado digno, afinal o time de LA era um dos favoritos ao título.

Na temporada seguinte, 2021/2022 tudo parecia que seguiria o mesmo fluxo, porém uma troca no meio do ano mudou a trajetória do time. Sai Porziņģis, entram Spencer Dinwiddie e Dāvis Bertāns, ambos vindos do Washington Wizards.

A negociação deveria ser apenas uma forma de se safar do alto salário de Kristaps e suas lesões, mas se revelou uma ótima troca, não por causa de Bertans – igualmente letão e em decadência ainda maior – mas por Dinwiddie, que vinha em baixa no time da Capital e que ressurgiu como uma fênix basquetebolista, se tornando fator decisivo na ótima campanha do time, que chegou até as finais do Oeste.

A chegada desses jogadores e a troca de técnico no começo da temporada – saiu o veteraníssimo Rick Carlisle, técnico que levou o time ao título de 2011, entrou Jason Kidd, ex armador do time campeão de 2011. foram fatores importantes nessa ótima campanha, porém o verdadeiro motivo para essa guinada era alguém que já estava ali o tempo todo.

Cabeção (não o da malhação)

Jalen Brunson foi escolhido com a 33° escolha do draft de 2018, o mesmo de Luka. E sua escolha aconteceu sem qualquer comoção. Vindo da universidade de Villanova, time competitivo, mas que na maioria das vezes formava jogadores para compor elenco na NBA, Brunson chegou mineiramente e continuou assim por anos, sólido e confiável.

Luka Dončić está triste
Jalen, e sua cabeça desproporcional, e Luka

Nos playoffs de 2020, Brunson estava machucado, porém nas duas pós temporadas  seguintes Brunson foi protagonista, teve partidas ruins e outras que carregou o time nas costas (enquanto Luka se recuperava de lesão). Até aí tudo bem, para uma escolha de segunda rodada o mínimo que se espera é inconsistência.

Confiável como poucos, Brunson queria ser pago e nada muito escandaloso (para termos de NBA): 80 milhões em 4 anos. Dallas achou o preço um pouco salgado e esperou o fim da temporada para negociar. Grande erro. Magoado, Jalen fez sua melhor temporada e foi fator decisivo na ótima campanha que levou o time até as finais da conferência.

Enquanto o Mavericks procurava o parceiro ideal para Luka, ele parecia estar lá o tempo todo: marcava cestas e os adversários, criava para os companheiros e não precisava sempre estar com a bola nas mãos (apesar de jogar muito bem com ela). A saída de Porziņģis apenas favoreceu ainda mais o florescimento de Brunson.

Luka Dončić está triste
“Como assim não vão pagar meu guri?”

Até que finalmente chegamos ao drama. Brunson, magoado e com o pai trabalhando para o NY Knicks (Rick Brunson, ex-jogador e assistente técnico do time), ousou ouvir a proposta da outra equipe: resultado, 104 milhões de dólares em 4 anos e nem quis saber da proposta de Dallas.

Sem o seu principal Robin, restava ao Mavericks buscar outros, ou não. Luka daria um jeito, ou não… 

Uma sequência de erros

A magia criada por Luka fez com que o dono do Mavericks, Mark Cuban, empresário famoso por participar do reality show Shark Tank (empresários que participam de reality shows nunca são boas ideias) e a comissão técnica do clube, acreditassem que o time que foi para as finais só precisava de alguns poucos ajustes e que tudo se resolveria.

Luka Dončić está triste
Spencer depois de mandar aquele shade para o Kuzma

Até poderiam ser poucos ajustes, mas foram todos errados.

Começaram perdendo Jalen Brunson para os Knicks, baque o qual foi responsável por várias decisões erradas ao longo da temporada. Também trocaram pelo pivô Christian Wood (para visível desagrado do técnico), cuja capacidade ofensiva não justifica a sua completa falta de noção defensiva. Um dos jogadores mais caros do elenco, ele passou a maior parte do ano vindo do banco. Spencer Dinwiddie fez o máximo que pôde para tentar suprir a ausência de Brunson, mas não era a mesma coisa. 

Eis que uma oportunidade surgiu.

A passagem de Kyrie Irving pelos Nets foi marcada por muito drama e algum basquete. Nas três temporadas que esteve no time ele perdeu jogos por:

  • Lesão;
  • Se recusar tomar a vacina contra a Covid-19;
  • Suspensão do time após compartilhar trechos de um documentário claramente antissemita nas redes sociais.

Autoproclamado “a voz para aqueles que não tem voz” (por algum motivo ele desconhece a Fox News, também conhecida por Jovem Pan News com legendas) Irving causou o caos e depois pediu para ser trocado. O Nets aceitou seu pedido e ele foi despachado para o Dallas Mavericks.

Luka Dončić está triste
Karma

Em troca, os Mavericks enviaram Dinwiddie e Dorian Finney-Smith, talvez o melhor jogador defensivo de Dallas, e uma escolha do draft. Um risco pequeno até, se levando em conta a qualidade de Kyrie dentro de quadra.

O que aconteceu nas semanas seguintes foi um desastre após o outro. Kyrie e Luka se machucaram e perderam uma boa quantidade de jogos. O time sem Finney-Smith perdeu o pouco da capacidade defensiva que ainda tinha. A troca, que em tese os colocaria na briga por um Oeste truncado, os colocou fora do Play-in (a famigerada repescagem).

O derradeiro golpe veio na última semana da temporada regular. Com chances pequenas de conseguir a décima (!) colocação e disputar o play-in, o Dallas resolveu guardar todos os seus jogadores em uma tentativa desesperada de perder (algo que eles estavam fazendo com maestria).

Luka Dončić está triste
Cuban mostrando o twitte em que ele indagava Elon Musk por que havia perdido tantos jogadores (esse episódio patético realmente aconteceu)

A razão foi simples, com essas últimas derrotas a equipe garantiria a décima pior campanha, e esse ano a escolha de Dallas está protegida justamente até a décima posição. Em maio acontece a loteria do draft, os Mavericks tem 80% de chance de ficar entre os dez primeiros e continuar com a escolha. Porém, caso contrário, se eles ficarem em 11° ou mais, a pick vai justamente para o New York Knicks, herança da negociação deles para conseguir Porziņģis. E a Terra plana dando suas capotadas.

Porém, uma rusga pode ter surgido. Luka Dončić não gostou nada dessa história de perder de propósito. Ele que havia ganhado tudo antes de entrar na NBA não estava acostumado a derrotas e pela primeira vez, desde que entrou na liga, sua relação com o time de Dallas parece abalada. 

Ainda é cedo, mas as especulações já começaram. Será esse o começo do fim de Luka Dončić no Dallas Mavericks? Cumprirá a antiga profecia maia e irá aposentar a camiseta 77 dos Lakers? Ou permanecerá por muitas e muitas temporadas, assim como Dirk Nowitzki? As respostas virão nos próximos capítulos.

Para saber mais sobre ídolos do basquete que sofrem bullying por conta de seu físico de frequentador da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul acesse o restante do blog.

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