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Margo Price: Midwest Farmer’s Daughter

Um dos traços da minha personalidade que menos fazem sentido – para mim e para os que estão ao meu redor – é o fato de que, lá de vez em quando, eu acabo curtindo um countryzinho carismático, assim como não quer nada.

Já expliquei em meu texto sobre Gram Parsons e os fantásticos Flying Burritos Brothers como comecei a cultivar esse gosto pelo que, na verdade, é só uma pequena fatia do que se pode chamar de country music, estilo que é marcado por gente parecida com o pai da Miley Cyrus e loiras oxigenadas que cantam o tema do Monday Night Football.

A verdade é que fora os supracitados Gram e Burritos, o country que escuto dá para contar em uma mão: Dolly Parton, Linda Ronstadt, um Cowboy Junkies aqui, uma Gillian Welch ali, e, principalmente, muita Emmylou Harris. Ou seja, minha busca por novidades no country estagnou mais ou menos em 1994. Ou pelo menos até agora.

Se acha uma pequena São Paulo, mas é uma grande Galópolis

Navegando, mais do que a minha saúde mental permite, por aquela rede social quase morta antes conhecida como twitter, acabei me deparando com duas notícias que vinham abalando o tal gênero musical.

O primeiro foi o lançamento do videoclipe de “Try That in a Small Town (tente isso em uma cidade pequena) de um tal de Jason Aldean que se veste igual a cantor sertanejo cursando o ensino superior, mas que como fez um Yázigi, canta em inglês. A canção em si é bem sem graça (como era de se esperar), mas o lançamento do clipe gerou polêmica, afinal ele conta com diversas imagens de protestos semelhantes aos movimentos Black Lives Matter e Antifa, ou seja, a musiquinha se tornou uma ameaça.

Margo Price Midwest Farmer's Daughter
A crise também é estética

A outra música que causou furor foi “Rich Men North of Richmond” de Oliver Anthony. Cantor-compositor praticamente desconhecido até então, Anthony se viu no meio de um debate político graças a canção que critica os políticos norte-americanos e que foi cooptada pela direita do país, mesmo com o autor alegando que a crítica era aos membros dos dois principais partidos dos EUA, democratas e republicanos.

Mas o que a polêmica não conta é que essa é uma música bem mais ou menos, cafona o suficiente para fazer sucesso no país com o hino mais brega possível e que nem Jimi Hendrix conseguiu consertar, e com uma mensagem batida. Comparar “Rich Men” com clássicos da música de protesto escritos por Bob Dylan, Woody Guthrie e Townes Van Zandt é o mesmo que comprar os microcontos daquele seu colega de faculdade com Dostoiévski.

Margo Price Midwest Farmer's Daughter
O “Que pais é esse?” deles (e muito menos carismático)

Ambas as músicas sofreram críticas e louvores e a opinião de muitos artistas do country foi requisitada, afinal uma música tão absurdamente norte-americana não poderia ficar longe do debate político não é mesmo? Listas foram criadas na esteira da polêmica, de “as músicas mais direitosas do country” até “a história do outlaw country em 33 canções, e foi justamente nessa lista – da, na maioria das vezes, insuportável pitchfork – que que conheci a Margo.

O orgulho de Indiana

Margo Rae Price nasceu em Aledo, no estado de Indiana no glorioso ano de 1983 e ao contrário dos colegas do country mainstream, ela (e uns outros do pessoalzinho mais alternativo) não achou nada legal o videoclipe de Aldean, na verdade suas opiniões vão em outra direção, bem diferente das cantoras que fazem shows em estádios e namoram quarterbacks do Dallas Cowboys. 

Margo Price Midwest Farmer's Daughter

Apesar de loirissima, Margo está mais próxima de Emmylou, Dolly e Linda do que das Carrie Underwoods do mundo (outra nativa do ano de 1983, mas que contém a quantidade de procedimentos estéticos o suficiente para parecer que tem 10 anos a mais). E a semelhança com as artistas que gravaram o ótimo álbum Trio, em 1987 não está apenas nas ideias avançadinhas, Margo também usa e abusa dos clichês utilizados por suas heroínas para criar seus próprios clássicos com gosto de “já ouvi isso antes.”

Mas o fato de não trazer nenhuma novidade não deve ser encarado como demérito, Price é extremamente competente em sua proposta de trazer o country feminino de 1975 para os dias atuais. Ou pelo menos para 2016, data de seu melhor disco até então “Midwest Farmer’s Daughter”.

Midwest Farmer’s Daughter

O primeiro trabalho dessa filha de um fazendeiro do meio-oeste norte-americano às vezes soa como um tributo a clássicos como “Coat of Many Colors” e “Luxury Liner” de Dolly Parton e Emmylou Harris, respectivamente. E já na primeira canção Hands of Time, ela já traz todos esses ingredientes, uma baladaça de mais de 6 minutos contando todas as infelicidades de uma narradora sofrida e desesperançada que podem ser resumidas nas primeiras linhas do refrão:

"'Cause all I wanna do is make something last 
But I can't see the future, I can't change the past"
Porque tudo que eu quero fazer é fazer algo durar. 
Mas não consigo ver o futuro, não posso mudar o passado

E por aí vai, muita dor e sofrimento na vida do campo e dos cabarés.

Mas o disco não é só formado por baladas melodramáticas, existem aqueles countrys animadinhos de botar a palma no pé e a sola na mão como Since You Put Me Down e Tennessee Song, as sempre presentes músicas sobre bares e saloons (Hurtin’ (On the Bottle), que humilha qualquer coisa parecida com música criada pelo Fernando, do Fernando e Sorocaba que, by the way, se chama Fernando, pouco se fala sobre isso) e a cheia de groove e com um pézinho no country rock alternativo Four Years of Chances.

São 11 faixas da mais alta qualidade e pouca novidade, a ponto de agradar os conservadores (isso até eles entenderem as letras… ou não, tá aí o Roger Waters que não me deixa mentir), grandes composições com ótimos arranjos que, não só lhe dão vontade de ouvir de novo, mas de botar umas botas, chapéu e mascar umas graminhas na varanda de uma casa de madeira caindo aos pedaços.

Para saber mais sobre os outros muitos (2) discos de country dignos de audição, acesse o restante do blog. E não deixe de comentar e compartilhar.

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