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Nei Lisboa: Hein?! – O melhor disco esquecido da música brasileira

Semana passada chegou em minhas mãos meu presente de Natal, o livro “Os 500 maiores discos da música brasileira”. Esse livro foi editado graças a uma campanha de financiamento coletivo e é uma pequena obra de arte que faz juz as grandes obras musicais as quais ele se refere.

O livro é um projeto do podcast Discoteca Básica, um popcast que eu indico para gregos e troianos, desde que eles gostem de música. Extremamente bem produzido (um dos podcasts mais nicolas cagezinho que há), com grande trabalho de pesquisa e textos (e locução) de Ricardo Alexandre, o único defeito do programa são os entrevistados (e não as entrevistas), alguns deles pelo menos, que são muito malas e não acrescentam nada a um programa tão completo (quando eu achava que o Pedro Bial era um chato, ouvindo ele falar sobre Raul Seixas, aí que eu tive certeza).

O Discoteca Básico original era uma coluna da saudosa revista (show)Bizz. Ficava na última página da revista e sempre discorria sobre um disco clássico da música. Era a minha parte favorita da revista e Ricardo Alexandre foi responsável por ela por um tempo. Ou seja, já era fã de seu trabalho faz tempo. Quando surgiu a oportunidade de participar da campanha para lançar o livro não precisei pensar duas vezes.

Os 500 maiores discos da música brasileira

Nei Lisboa: Hein?!  - O melhor disco esquecido da música brasileira - Ricardo Alexandre
O livro e seu idealizador (não é o Samuel Rosa)

Como qualquer lista de melhores que se preze, o grande motivo de ela existir não é definir exatamente a ordem de quem é melhor ou pior, mas criar a discussão (desde que saudável) sobre o assunto. Esse livro faz justamente isso. Se você se interessa por algo, como música por exemplo, é natural você procurar saber mais sobre os grandes clássicos, sobre a história, curiosidades e etc. Caso contrário, se você só ouve o que toca no rádio-bar-boate e não se questiona se o sertanejo-o-agro-é-pop criada pelo Fernando Sorocaba 1) é música? 2) é música boa? (respostas: sim, não, pelamordedeus não) esse livro não é para você.

E como todos sabem, o gaúcho tem obsessão por outros gaúchos ao redor do mundo. Qualquer pessoa nesse estado que por ventura já tenha visto um Jornal do Almoço (99,5% da população acima dos 7 anos) já se deparou com aquela reportagem: “Tsunami na Indonésia, vamos conhecer os gaúchos que sobreviveram a tragédia. João e Neide Barcellos não abrem mão do chimarrão e do churrasco, mesmo quando um tubarão branco invadiu a cozinha do casal de torcedores do tricolor gaúcho.” Sendo assim, nada mais natural, depois de folhear o livro para me deliciar com as fotos e ver a colocação de alguns dos meus artistas favoritos, fui procurar os gaúchos presentes na eleição.

Se nenhum me passou despercebido encontrei 10 artistas gaúchos entre os 500 maiores discos e nesse caso não estou contando Elis Regina, pois Elis é mais brasileira que gaúcha (o que é certamente um elogio):

  • Engenheiros do Hawaii: A revolta dos Dândis (1987) e Longe demais das capitais (1986);
  • Os Replicantes: O futuro é vortéx (1986);
  • Cachorro Grande: As próximas horas serão muito boas (2004);
  • Vitor Ramil: Foi no mês que vem (2013) e Ramilonga (1997);
  • Kleiton e Kledir: Kleiton e Kledir (1981);
  • Yamandú Costa: Yamandú (2001);
  • Liverpool: Por favor, sucesso (1969);
  • Graforréia Xilarmônica: Coisa de louco II (1995);
  • Defalla: Defalla (1987);
  • Júpiter Maçã: Uma tarde na fruteira (2008) e A sétime efervescência (1996);
  • Adriana Calcanhoto: A fábrica do poema (1994).

Achei todos merecidos, até o Engenheiros do Hawaii que, apesar de estar seguidamente fazendo troça deles, sei que possuem suas qualidades, eles não tem culpa de ter um dos fandoms mais chatos da história da humanidade (junto com o Chico Buarque, Los Hermanos, todo os gêneros de Metal, Elon Musk e Jesus Cristo). Porém havia um artista que eu tinha quase certeza que estaria facilmente entre os 500 maiores não consegui encontrar em lugar nenhum. Tive que apelar ao índice para ter certeza que não tinha deixado escapar. Onde estava o Nei Lisboa?

Nei Lisboa ou quando o Rock Gaúcho não foi de todo ruim

Nei Lisboa: Hein?!  - O melhor disco esquecido da música brasileira - Os Replicantes e Ultramen
Os Replicantes e Ultramen – nem todo rock gaúcho foi rock gaúcho, felizmente

Como já foi explicado em outros momentos desse blog, eu sou o resultado de horas e horas da audição de rádios FMs gaúcha, o que não é uma história feliz. A pessoa ser influenciada por rádios jovens no final dos anos 90 em qualquer lugar do mundo já seria catastrófico (estamos falando do nascimento do Blink 182, do Offspring virando pop, do U2 por algum motivo tocando a toda hora e “o horror, oh o horror” Creed e toda a turma do rock gospel), mas no Rio Grande do Sul havia um grande agravante: o rock gaúcho.

Na verdade estamos falando de uma segunda onda do rock gaúcho, a primeira, no meado dos anos 80, englobou no mesmo saco bandas e artistas bem diferentes (e por muitas vezes se odiavam), afinal dois dos artistas que entram nessa lista eram bem diferentes entre si. Os Replicantes, por exemplo, nunca fizeram nada de errado, não só na música, como na vida e os Engenheiros do Hawaii gravaram “O Papa é Pop”.

Porém estamos no final dos anos 90, outra horda de bandas está surgindo. Novamente tacados no mesmo balaio, esse novo rock gaúcho ganhou um aliado importantíssimo, a principal emissora de rádio e tv criou um selo para lançar todas essa preciosidades. Donos da rádios eles tocavam seus próprios artistas a toda hora, ou seja, sucesso. E por isso fomos agraciados com horrores como a Comunidade Nin-Jitsu e a Vera Loca.

Nei Lisboa não gravou por esse selo de retroalimentação musical, também não participava do rock gaúcho (apesar de um pequeno flerte com os supracitados Engenheiros), mas vinha de um hiato de trabalhos inéditos quando lançou dois bons discos na ocasião: Hi-Fi, com gravações de covers da época em que ele tocava em bailinhos e Relógios do Sol, famoso pela balada “Pra te Lembrar” que foi regravada por Caetano Veloso.

Nei se aproveitou dessa onda de rock gaúcho e ficou ali no meio. Nunca um bairrismo foi tão bem vindo. Lembro de um dos meus primeiros contatos com sua obra. Apareceu na firma em que eu trabalhava uma coletânea sua (Eu visito estrelas, 1992), talvez tenha sido ali meu primeiro contato com sua obra fora o que tocava na rádio ou entrevistas nas mesmas. Pouco tempo depois comprei “Pra viajar no cosmos não precisa gasolina” de 1983, seu primeiro disco e que contém uma das suas músicas mais famosas, a faixa-título. Apesar de ter gostado do disco, não tinha entendido o motivo pela veneração a sua pessoa no sul do Brasil. Até que eu achei Hein?! em um balaio.

Hein?! – Tudo ao mesmo tempo agora

Nei Lisboa: Hein?!  - O melhor disco esquecido da música brasileira
Hein?! O clássico esquecido

A primeira audição de Hein?! foi uma revelação, o momento em que eu entendi o motivo pelos quais meus conterrâneos veneravam Nei, o que eu passei a fazer também. Hein?! é um daqueles discos que depois que acabam você tem vontade de voltar e ouvir tudo de novo e seus 38 minutos passam voando.

Nenhuma faixa do álbum é gratuita e tem música para todo o tipo de gosto: as chacoalhantes “No Fundo” e “Hein?!”, a bluseira “Faxineira” e as sensacionais baladas “Baladas” (sinceramente, ótimo título) e é claro “Telhados de Paris”, talvez sua canção mais famosa, um verdadeiro clássico. Cada música apresenta um momento de pura iluminação em letras e arranjos, comprovando que Nei estava no seu auge e isso era óbvio até na época. 

A história é famosa, Nei Lisboa havia assinado com EMI-Odeon, uma das gravadoras mais poderosas do país (pela qual lançou Hein?! e Carecas da Jamaica), porém para virar sucesso nacional ele teria que pagar com a própria dignidade. O golpe estava ali e cairia quem queria, a gravadora insistiu para que Nei gavasse a versão medonha de Hey Jude para a novela Top Model, porém ele se recusou, o que criou uma rusga com a EMI (que não fez muita questão de alavancar sua carreira nacional). 

Kiko Zambianchi aceitou cometer esse crime e obteve muito sucesso, ao mesmo tempo que foi castigado com uma carreira em decadência até chegar ao fundo do poço e regravar “Primeiros Erros” no acústico do Capital Inicial, ou seja, foi devidamente castigado. Enquanto isso, Nei pode dormir tranquilo pelo resto da vida. Resta saber se os votantes do “500 maiores discos da música brasileira” vão se retratar desse erro histórico e colocar Hein?! onde ele deveria estar (aceito em qualquer lugar entre os 200 primeiros).

Para saber mais sobre grandes nomes da cultura que nasceram em Caxias do Sul mas conseguiram escapar incólumes, acesse o restante do blog e se delicie com outras postagens tão ou mais orgulhosas

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