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O legado de Kobe Bryant fora das quadras

Perdida em um mês de janeiro que custou a passar, uma data me passou despercebida. O último dia 26 marcou os três anos da morte de Kobe Bryant, um dia terrível para todos os fãs do basquete e, em especial, para uma cidade.

Para entender o impacto de Kobe Bean Bryant na vida das pessoas é necessário entender a cidade de Los Angeles. Com uma região metropolitana composta por 88 cidades e com uma população acima dos 15 milhões de habitantes, Los Angeles não é uma cidade grande comum, ela é a capital do entretenimento mundial, das estrelas de Hollywood, da fama e do glamour e de bandas de rock que anda de skate.

Não à toa ela recebe pessoas de todas as partes do país (e do mundo), que procuram oportunidades de brilhar e serem famosas (ou pelo menos faziam isso antes do tik tok). Mas Los Angeles também uma população local e bem diversificada: latinos (especialmente mexicanos), asiáticos, negros e outros grupos fazem dela uma cidade multicultural. 

O legado de Kobe Bryant
Contra os Raptors, quando marcou 81 pontos

Porém, mesmo com toda a promessa de fama e diversidade, Los Angeles – apesar de todo o dinheiro – ainda é uma cidade com sérios problemas de pobreza e desigualdade, o que faz com que grandes estádios sejam construídos em áreas pobres com apoio do dinheiro público. Esse tipo de coisa que liberal não conta.

Só uma coisa une todos os angelinos, o Los Angeles Lakers. Os Rams fugiram da cidade por 20 anos e perderam muitos torcedores; os Chargers, Ducks, Angels e Clippers são irrelevante; o Kings é hóquei e os Dodgers são bastante populares, mas o beisebol vê o interesse do público diminuindo a cada ano. 

Não é o caso dos Lakers, o time mais famoso do esporte, relevante na maioria dos 60 anos que esteve em Los Angeles, conquistando títulos em quase todas as décadas, contando com alguns dos melhores jogadores da história, de Jerry West, passando por Magic e Kareem, Shaq até LeBron James. 

Apenas os Lakers unem o trabalhador comum, o habitante das periferias e os astros do cinema. Jack Nicholson é um torcedor ilustre, Flea e outros membros não tão importantes (e bonitos) do Red Hot Chilli Peppers tão sempre perto da quadra agitando. Um time do povo.

Não à toa, quando Kobe Bryant, que jogou por vintes temporadas pelo time – conquistando 5  títulos e responsável inúmeros recordes – partiu, uma região inteira ficou de luto. Um Maradona para os Argentinos, um Senna para os brasileiros, uma princesa Diana para quem tem sonhos de princesa, esse era Kobe para os angelinos, um ícone, um herói.

Nem tudo são flores

Quando se fala da vida de pessoas famosas, com todas suas glórias e podres, uma dicotomia dos discursos acontece. O mundo se divide entre aqueles que acreditam que não se pode falar mal daqueles que faleceram, enquanto outros são da ideia de que a vida alheia deve ser dissecada, expondo tudo o que certa pessoa fez ou (às vezes) não fez em vida.

Tivemos um exemplo desses com o caso Pelé, uma personalidade ainda maior que a de Kobe, mas que continha algumas falhas (como qualquer pessoa). Assim como não se pode passar por cima do caso de paternidade não reconhecida e seu estreito envolvimento com entidades no mínimo suspeitas, como a CBF e FIFA, resumir Pelé como alguém passivo e que ajudou o regime ditatorial no país é algo muito raso. Se ele não foi um herói da democracia como Sócrates e Reinaldo, também não foi um megazord de ideias erradas, um qualquer como o goleiro Marcos ou Felipe Melo. O verdadeiro Pelé está numa área muito mais cinzenta e, por isso, mais complexa.

O mesmo caso podemos aplicar a Kobe, é preciso falar sobre a acusção de estupro que ele recebeu em 2003. Em como todo o caso foi mal explicado, como ele próprio admitiu ter agido errado (apesar de não ter admitido a culpa), como os envolvidos se portaram mal criando uma exposição e uma pressão na vítima completamente desnecessária.

Mesmo que não vamos resumir toda a vida e obra de Kobe baseada em apenas um incidente, esse acontecimento fez parte da vida de Kobe e foi importante, ele não deve ser jogado para debaixo do tapete. Para entender melhor o caso, segue um artigo sob uma perspectiva feminina de como devemos lidar e falar sobre a acusação quando desejamos falar sobre a biografia de Kobe. Ele está em inglês, mas hoje o Google tradutor faz milagre.

O que esse caso pode ter nos trazido de positivo foi que ele mudou o seu comportamento e sua perspectiva sobre as mulheres e sobre todas as dificuldades que elas passam em incidentes como esse. O que podemos valorizar é que Kobe, ao contrário de outros (como Desean Watson) pareceu realmente culpado pelo que aconteceu e que procurou melhorar como pessoa. E acredito, isso foi fator decisivo em seu legado.

Kobe Bryant, um chatão

Antes que qualquer fã do Kobe venha queimar metaforicamente esse blog, preciso explicar que o chato é quase um elogio. O que fez Kobe se tornar um dos melhores jogadores da história foi o fato de que ele era um mala, um cricri, um perfeccionista, achando pelo em ovo e estragando qualquer tipo de good vibes. 

O legado de Kobe Bryant
Quem os vê assim nem parece que eram que nem cão e gato

Ao mesmo tempo que sua personalidade mala fazia com que ele vivesse em pé de guerra com o Shaq (famoso por seus pagodes no fundão do ônibus e por não levar a preparação a sério), que não participasse das brincadeirinhas pois preferia ficar lendo livros (me poupe) e que não comemorasse nada inferior do que um título, essa mesma chatice era o que o tornava um profissional meticuloso, atento aos detalhes, disposto a melhorar a cada dia, um livro de autoajuda em forma de jogador de basquete ou um coach, só que com sucesso em sua área (ao contrário dos outros coaches, cujo a área de sucesso é ser coach, ou seja, agiotagem e esquema de pirâmide).

Muito dessa atitude era resultado de sua obsessão por Michael Jordan. Ele não desejava apenas ser como Michael, ele queria ser melhor que Michael. Por isso copiava suas jogadas, seus trejeitos e muito da personalidade, que vamos combinar, não era das melhores. Jordan ganhou todos os títulos “apesar” de ser um colega de time complicado e não por causa de suas atitudes (fica aqui o conselho, não dê socos no seu  coleguinha).

O legado de Kobe Bryant

Ele mesmo, em entrevistas depois do fim de carreira admitiu que a sua atitude com os companheiros de time não eram das melhores e que por mais que ele desejasse ganhar a todo custo, em sua mente ele sabia ser o melhor e mais preparado, o que o tornava individualista em momentos decisivos.

Não à toa, a sua carreira teve um rejuvenescimento após a chegada de Pau Gasol ao time. O jogador espanhol nunca tentou “roubar” a vaga de estrela do time, apesar de possuir qualidade para tal, e foi responsável direto pelos últimos dois títulos da carreira de Kobe. Além disso, ele possuía uma personalidade amigável que permitiu outro tipo de relação com o astro dos Lakers, muito mais profunda, que só foi possível graças ao temperamento do espanhol e a maturidade de Bryant.

O legado de Kobe Bryant
Ganhando um afago goxtoso

O Kobe que deveria ter sido

Depois de vencer 3 títulos com Shaq e 2 com Pau Gasol, os últimos anos da carreira de Kobe foram de lesões e decepções. Claramente longe do seu auge como atleta, mais maduro e tendo uma visão mais ampla do esporte, Kobe foi se transformando. Apesar de toda a conversa sobre Mamba Mentality (novamente, papo de coach), o Kobe pós aposentadoria se tornou algo muito diferente do que se esperava.

Assim como seu colega de draft, Allen Iverson, Kobe conseguia enxergar nas novas gerações habilidades e competências que não eram vistas na sua época. Antes de ficar reclamando que no tempo dele o esporte era melhor (como a maioria dos ex-jogadores fazem), Kobe era um entusiasta do basquete, acreditava que o jogo atual era de uma qualidade muito maior do que no passado.

Essa visão do basquete não era exclusiva da NBA, Kobe era um verdadeiro viciado. Quando morou na Itália quando pequeno, época em que seu pai jogou profissionalmente, um dos seus ídolos foi o brasilieiro Oscar Schmidt. Quando sua filha mais velha começou a se interessar pelo basquete, ele forneceu todo o seu conhecimento para transformá-la na melhor jogadora possível e começou a ser presença constante nos jogos da modalidade feminina.

O legado de Kobe Bryant
Pai coruja e bem vestido

E foi justamente esse seu entusiasmo pelo basquete, especialmente o basquete feminino, que se o acidente nos fez perder. Kobe e Gigi (Gianna Bryant) eram vistos com frequência em jogos da WNBA. Ele levava um pouco do holofote para uma liga muitas vezes menosprezada, já que os torcedores masculinos, muito por sua ignorância, nunca valorizaram uma liga que tem muito a oferecer.

Esse foi o legado que o mundo perdeu, o legado de um jogador entusiasmado com o esporte e com suas novidades, que sabia que os jogos da WNBA são ótimos, que basta você assistir um para entender que o nível técnico é absurdo. Que Breanna Stewart deveria estar em pé de igualdade com Luka Doncic. Assim, o mundo perdeu um embaixador de uma liga que poderia ter crescido ainda mais com sua ajuda.

O mundo também perdeu GIgi (vulgo Mambacita) que com apenas 13 anos, faleceu no mesmo acidente. Os vídeos de seus jogos mostravam que ela tinha muito potencial e que muito provavelmente se tornaria uma jogadora profissional. Duas perdas que Los Angeles, o esporte e o mundo ainda não conseguiram compreender e que vamos ter que lembrar não pelo que foi, mas pelo que poderia ter sido.

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