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Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou)

Há mais ou menos 20 anos, entre o Natal e o Ano Novo de 2002, conheci Maikel de Abreu em um posto de gasolina (que era o modo como os jovens se encontravam na época). Porém, antes de todas as parcerias musicais, literárias e semelhantes (como pedir uma xícara de açúcar na casa do vizinho), em um primeiro momento,o que reinou desse encontro foi a descoberta de novas discografias.

Voltando um pouco mais no tempo, em 27 de novembro de 2000 – quase saíndo do segundo grau e com nenhuma ideia do que faria da vida – comprei meu CD dos Beatles. O que para muitos poderia ser mais uma compra casual de um artista bem famosinho (por que tu não comprou antes, rapá?), no meu caso foi uma mudança de direção. Até então estava mergulhado no lamaçal do metal charretinha, com ocasionais saídas à superfície para escutar Nirvana. A aquisição da coletânea 1 dos Beatles me tirou dessa biodiversidade estagnada.

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou)
Maikel de Abreu ainda jovem e esperançoso

Os meses seguintes foram de quase completa beatlemania com delay. Comprei quase todos os CD’s da banda (os que importam, pelo menos, a série Anthology possuia preços por demais salgados) e parti para outros clássicos da mesma época, como Rolling Stones e The Who, um processo natural de quem se interessa por música. Porém, ao contrário dos Beatles, essas bandas quase não possuíam mais os melhores discos à venda, na maioria das vezes se encontrava alguma coletânea chinfrim ou disco ao vivo, era necessário muita pesquisa e garimpagem para encontrar algo realmente digno de se gastar o salário.

Após nosso primeiro encontro no posto (eu sei, eu sei, bem romântico) e depois de algumas semanas, conheci a casa de Maikel, e por casa pode-se traduzir por coleção de CD’s. Foi um dos caos mais bonitos que já conheci. Tinha de tudo lá: tinha muita coisa que eu só havia ouvido falar ou lido em alguma revista como a Bizz (o exemplar com os melhores da década de 90 me serviu de guia por anos), tinha CD’s que já vira na prateleira das lojas mas não havia dado muita bola e muita coisa que desconhecia completamente.

Nos meses seguintes muitos empréstimos foram feitos, algo parecido com a troca de presos políticos: eu emprestava um cd duplo (o álbum branco dos Beatles) e ele me emprestava dois (uma coletânea do Velvet Underground, que nunca mais encontrei e que tinha versões alternativas de clássicos que por muito tempo acreditei serem as originais, e um disco ao vivo do Leonard Cohen) e assim íamos passando o tempo.

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou)
Quantas 100 vezes eu li essa revista?

Obviamente me doía o coração emprestar meus filhos, eles não só não iam ficar em prateleiras organizadas a partir do estilo de música, como ficariam em caixas diferentes das originais e, ai meu jesusinho, ficariam expostos empilhados um em cima do outro com grande chance de voltarem riscados. Mas hei, era o preço a ser pago para ter acesso a verdadeiras maravilhas escondidas.

Para ilustrar a qualidade da discografia de Maikel, fiz uma lista dos 5 álbuns de rock alternativo dos anos 90 que ele me emprestou, uma lista que poderia ser facilmente de 25, mas a preguiça nunca me deixaria terminar:

Pulp – Different classes

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou) - Pulp

Na minha opinião, um grande disco não é necessariamente aquele que possua a música mais famosa de uma banda, ou mesmo que possua a melhor música do artista, afinal, isso são duas coisas bem diferentes. Um grande disco deve ser coeso, deve ser ouvido de cabo a rabo, mesmo que não tenha nenhum propósito megalomaníaco de ser um álbum conceitual ou algo do tipo. Deve ser um disco que, após uma primeira audição, deve dar a vontade de ouvir de novo.

Dito isso, Different Classes (que possui todas as qualidades de um grande disco) também possui a melhor música do Pulp na minha opinião “Common People”. Como já comentei sobre essa canção em outro post, falarei do resto do disco. Ele começa com “Mis-shapes”, basicamente um chamado às armas, mas o exército nesse caso são os jovens desajustados e a guerra é o famigerado conflito de gerações.

Outros destaques ficam para “Disco 2000”, quando o cantor-personagem principal reencontra uma antiga namorada da juventude que agora está bem casada e com filhos (para sua decepção), as safadinhas “Pencil-skirt” e “Underwear”, uma balada sobre um romance que ainda vai acontecer (“Something Changed”) e lembranças dos famosos festivais ingleses, como Glastonbury (“Sorted For E’s & Wizz”). Para fechar uma balada sobre sair de um bar com o dia amanhecendo (“Bar Italia”), perfeita para cantar junto e tacar play no disco mais uma vez.

Kula Shaker – K

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou) - Kula Shaker

Como explicar o Kula Shaker? Os haters dirão que eles são uma espécie de Oasis que, ao invés de tentarem emular o que os Beatles fizeram em 1966, tentam o mesmo só que em 1967. Ou seja, muita cítara, mantras indianos e alguns elementos facilmente encontrados no terceiro reiki. Infelizmente para o Kula Shaker, seu vocalista (que também foi baterista de uma famosa banda de punk rock caxiense) teve um pequeno flerte com a ideia de ser polemiquinho (antes de Monark e outros), mas se arrependeu e hoje apenas tenta recriar a magia desse disco felomenal.

Ao contrário do álbum do Pulp, K não contém o que eu consideraria a melhor música do Kula Shaker (uma eterna disputa entre “Shower Your Love” e “Great Hossanah”), porém é um disco extremamente coeso em duas 13 faixas (uma hora de disco era coisa normal nos anos 90).

K se divide em rockões que fariam qualquer banda de rock gaúcho lacrimejar de inveja: “Hey Dude”, “Smart Dogs” e “Knight on the Town “(boa até para quem detesta D&D e outros fenômenos culturais envolvendo espadinhas); baladas românticas mais convencionais: “Into the Deep” e “Start All Over”; e canções mantras que agradam em cheio gurus espirituais que adoram limpar os chacras alheios: “Tattva”, “Govinda” e “Sleeping Diva”.

Tindersticks – II

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou) - Tindersticks

Ao contrário dos dois primeiros dessa lista, o segundo disco dessa banda inglesa que adora fazer trilha sonora para filmes franceses, não costuma agradar a maioria dos ouvintes. Não que para ouvir Tindersticks seja necessário um ouvido apurado ou algo parecido, é que ele possui um som bem peculiar. Lento, baladeiro, a voz grave e ao mesmo tempo suave do vocalista Stuart Staples, muitas cordas e instrumentação sutil.

Esse disco é uma tour de force, uma hora e dez minutos de dor e sofrimento, mas de um sofrimento gostoso, que faz carinho no coração e que diz que tudo bem, que a cena de Friends em que os personagens escutam “All by Myself” olhando a chuva pela janela pode ser um estilo de vida.

As canções do Tindersticks, não só nesse álbum, mas em toda a carreira podem ser divididas em dois tipos: em baladonas e baladas com dueto feminino e obviamente esse disco possui o melhor dos dois. “A night in”, “Tiny Tears”, “No More Affairs”, She’s Gone “são ótimas companhias para um vinho tinto na sacada (para quem tem sacada e gosta de vinho, o que não é meu caso). Já “Travelling Light” (com a participação da vocalista Carla Torgerson da banda Walkabouts) é ótima para performances no banho.

Pavement – Brighten the Corners

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou) - Pavement

Único disco norte-americano dessa lista por um motivo notável, Maikel sempre foi mais britpop do que grunge, logo as referências estão caídas mais para o lado da monarquia. O Pavement poderia ter se tornado uma espécie de continuação menos deprê do Nirvana, caso o Radiohead não tivesse se intrometido. Assim como a banda Seattle, eles são cacofônicos, histriônicos e se levam a sério ainda menos. Para definir o Pavement basta pensar em um Mac deMarco, só que bom.

Brighten the Corners não é considerado o melhor disco da banda, mas é meu favorito, tanto que consegui comprar a minha cópia alguns anos depois. Existem diversos tesouros escondidos fora as mais famosinhas (que em termos de Pavement, as mais famosas são equivalentes a 100 execuções anuais no Spotify) como “Stereo” e “Shady Lane”. Em especial destaco a lânguida “Type Slowly”, “Passat Dream” e a frenética “Embassy Row”.

Suede – Dog Man Star

Os 5 melhores discos indie dos anos 90 (que Maikel de Abreu me emprestou) - Suede

Segundo disco da banda inglesa, último com o guitarrista Bernard Butler, esse álbum é uma obra-prima, e agrada especialmente aqueles que gostam da fase Ziggy do David Bowie. Em uma lista de discos cheios de baladas memoráveis talvez a melhor de todas seja “The Wild Ones”. Escute essa faixa é preste atenção na guitarra de Butler e entenda o motivo pelo qual muitos fãs desconsideram o restante da discografia da banda.

Além de baladas, o Suede conseguia ser pesado e sensual como em “This Hollywood Life”, “The Power”, “Heroine”, uma das minhas favoritas da banda, e “We Are the Pigs”. O disco seguinte a saída de Butler, Coming Up, também é muito bom (apesar de carecer da sofisticação da sua guitarra), porém o restante dos álbuns da banda deixam a desejar.

Porém, o melhor disco que Maikel me emprestou não foi nenhum desses, foi o OK Computer, do Radiohead, mas esse é um disco muito batido (apesar de ser talvez meu disco favorito de todos os tempos) e se aparecer aqui, provavelmente será em uma postagem só sua, com toda a reverência que lhe cabe.

E para conhecer o que mais havia na coleção de discos do Maikel, ele preparou uma playlist dos discos que possuiu:

Para mais discos indie e música alternativa de uma época que isso ainda não era moda (e nem piada), acesse o restante do blog que é pura nostalgia.

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