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Seleção brasileira: eliminação descolorida ou a raiva em sépia?

A derrota da seleção brasileira foi uma decepção para milhões de brasileiros, tanto para aqueles que são apaixonados por futebol e, consequentemente pela seleção, quanto para aqueles que só queriam um motivo para começar a beber antes das quatro da tarde. Ambos casos são válidos, ambas as decepções são doloridas.

Eu, particularmente, achei que a seleção jogou bem e que merecia ter ganho a partida, criou mais situações de gol que só não entraram pois esbarram na qualidade do goleiro adversário – na maiorias das vezes -, na falta de qualidade dos atacantes – umas poucas vezes – e em um Neymar fominha – que não foi responsável pela eliminação, mas que é sempre bom falar mal.

Seleção brasileira: eliminação descolorida ou a raiva em sépia?
Nem toda derrota é motivo de tristeza

Ou seja, também estava decepcionado, um tanto quanto incrédulo com a quantidade de gente no ataque faltando 4 minutos para acabar a prorrogação e triste, ainda mais que o uniforme feio da seleção era quase um sinônimo de título, ou seja, a confiança na conquista do hexa era grande. Mas até aí tudo bem, como disse antes, milhões ficaram decepcionados e foram às redes sociais dar seu pitaco sobre os motivos da derrota, tudo normal. Até…

É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem

Dias depois me deparei naquela rede social (a cara-livro) que é uma curva de rio – junta todas as piadas e ideias ultrapassadas das últimas três décadas – alguns comentários sobre a seleção. A maioria deles eram piadolas, alguns memes (pois o Brasil é um dos grandes exportadores dessa arte) e, obviamente, tristeza e decepção.

No meio de tudo, raiva, muita raiva, afinal a dor da derrota pode levar a isso. Mas no meio dessa raiva toda começam a surgir alguns discursos muito rasos, que nada mais são preconceitos disfarçados de algum orgulho ou qualquer outro valor caduco.

Separei três deles proferidos ou comentados pela mesma pessoa:

Sem cabelo platinado, camisa por dentro do calção, chuteira preta, cara fechada e o Técnico cantava o Hino Nacional! Isso sim era uma seleção…. ! (comentando uma foto da seleção de 1994).

Quem viu está seleção jogar sabe do que eu estou falando: não tinha mídia. Mauro Silva e Dunga dois dos melhores volantes que já vi jogar na  marcação,e Romário e Bebeto que não perdiam gols… Diferente dos maricas desta seleção….. (comentando a mesma foto)

Seleção brasileira: eliminação descolorida ou a raiva em sépia?
“Oh meu deus! uma comemoração coreografada!”

Se está seleção brasileira tivesse a metade da vontade de vencer dos argentinos já seria o suficiente….mas o cabelo pintado é mais importante…. (um outro comentário raivoso)

Dois comentários sobre essas opiniões: a primeira é o claro teor homofóbico e aqui nem vamos entrar nesse mérito, pois paciência tem limite. A segunda é o claro desconhecimento sobre futebol, achar que o Dunga (que teve uma função importante como líder da equipe) não só jogava bem, mas como foi um dos melhores volantes da história é algo abominável. É a mesma coisa que achar que o Paulo Nunes jogava melhor que o Neymar. Mas a ignorância futebolística é algo pelo qual apenas se lamenta, o problema está quando esse tipo de ignorância só está servindo de pijaminha soft para o preconceito.

A seleção brasileira como ótima ferramenta de marketing para o trabalhador autônomo

Afinal, a seleção argentina também tem jogadores com cabelos na moda (só não são platinados), tatuagens, sobrancelhas riscadas e chuteiras coloridas (!), e mesmo assim conseguiu se classificar. Só não dançam pois não tem o gingado necessário. Então talvez os motivos para tanta raiva sejam outros.

Seleção brasileira: eliminação descolorida ou a raiva em sépia?
Teriam vencido a Croácia por 7 x 0 não fossem as tatuagens

O primeiro motivo é bem simples. Todos nós sabemos de qual classe social surgem a maioria dos jogadores e que quando falamos de classe social estamos falando também de cor. E qualquer ideia de ascensão social nesse país é vista com maus olhos, imagine então quando esse pessoal se depara com jogadores jovens, ricos e vaidosos.

O segundo é que esses cidadãos estão presos na nostalgia de uma época em que eram jovens, esperançosos e, quiçá, felizes. Eles olham esse passado em sépia e acreditam que aqueles eram tempos mais simples, quando não havia tanta vaidade e imoralidade. Os atletas do passado jogavam com mais garra, eram patriotas e só se importam com a vitória.

Porém, apesar de triste, esse é um comportamento bem comum, as gerações mais velhas sempre olham para o passado como uma época dourada e olham para a nova geração com o preconceito afiado. Os jogadores tatuados de hoje são os jogadores de dread de vinte anos atrás, são os de brinco outros vinte anos atrás, são os cabeludos mais outros vinte anos atrás, até chegarmos a época em que os nostálgicos não entendiam o motivo pelo qual se deveria deixar jogadores negos participarem. No passado sim, era que se jogava futebol de verdade.

Richarlison está para o Tinga, assim como o Tinga está para o Romário com seu brinquinho de cruz (um horror, mas estava na moda). Romário nada mais é que o Renato Gaúcho de seu tempo, com gosto por noitadas, a diferença estava no mullet. Imagine o horror de quem acompanhava a seleção de 1958, composto de cortes de cabelo à escovinha, se deparar com os cabelos e barbas de 1982 ou 1986. Eles certamente botaram a culpa da derrota dessas seleções por conta dos cabelos compridos.

Seleção brasileira: eliminação descolorida ou a raiva em sépia?
Ídolo total

E aqui fica a parte triste dessa história toda, pois o jogador (ou qualquer outra pessoa, especialmente se ela for minimamente famosa) acaba sendo julgada por sua tatuagem do Chaves e cabelo descolorido, e não pelo o que ele representa como atleta e, principalmente, cidadão. Richarlison se tornou embaixador de programa da USP contra a covid-19, defendeu o meio-ambiente, foi contra o racismo e a violência contra a mulher, e ainda por cima fez um dos gols mais bonitos da história das copas. Mas hei, ele deveria cortar o cabelo, usar chuteira preta e saber cantar o hino.

Ao contrário, podemos citar uma boa quantidade de jogadores sem quase nenhum brinco ou tatuagem que combinaram muito mais com a ideia de uma seleção recheada de vontade de vencer e cara fechada. Temos os caso de Cuca e Robinho, ambos CONDENADOS por estupro na Europa, ou estão Edmundo, que matou duas pessoas em um acidente de carro que provocou quando estava dirigindo embriagado, ou Romário, que foi preso por não pagar a pensão para os filhos, ou mesmo Pelé, maior de todos os tempos, mas que se negou a assumir a própria filha. Esses sim, grandes jogadores que não se importam com dancinhas.

Essa é a opinião de quem a maior ousadia em termos de cabelo foi pintar ele organicamente de grisalho e que só teve uma tatuagem, no verão de 1992 atreveu-se tatuar no braço um jacaré que vinha junto com o chiclete ping-pong. O futebol e outros esportes possuem problemas graves que envolvem desde a corrupção dentro de clubes e entidades, passando pela a existência do Tiago Leifert, até chegar a cobrança do escanteio curto. Porém não vai ser com esse discurso raso e, pra não dizer outras coisas, datado, que ele irá mudar.

Para outras análises acertadas e contundentes, acesse o restante do blog. Caso contrário, irá para para o inferno, onde o Caio Ribeiro e o Maurício Saraiva irão comentar cada minuto de sua danação.

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