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Ted Lasso x Bem vindos ao Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque

Para nós brasileiros que nascemos tendo que escolher um time para torcer e que fomos sempre bombardeados por dezenas de mesas redondas esmiuçando os menores problemas dos menores clubes em emissoras de rádio e televisão,(locais, regionais, nacionais e intergalácticas), esse súbito interesse dos norte-americanos pelo futebol (o correto, que se joga com os PÉS) parece um pouco forçado.

Afinal, mesmo quem não se interessa muito por futebol, acaba recebendo respingos de informações: das decepções e glórias (essas faz tempo) do Brasil nas Copas, da democracia corinthiana até a batalha dos aflitos ou similares, vamos criando um arcabouço de referências desnecessárias sobre esse esporte que, até podemos tentar evitar, mas em algum momento vais surgir: no restaurante que transmite os melhores momentos dos jogos, na conversa com um uber que parece muito entendido do assunto ou no convidado do casamento que foi com uma camiseta do Juventude.

Até aí tudo bem, o problema é que agora o futebol (que não é moleque, nem é maroto, pois é inglês) está forçando a barra até em séries. E a pior parte, elas são boas: “Ted Lasso” e “Bem-Vindos ao Wrexham” são duas séries que abordam de formas diferentes a paixão de um povo pelo futebol, pois se os ingleses não sabem driblar direito, não podemos afirmar que eles não sabem torcer direito.

A seguir vamos comentar cada uma da série e, polêmica, decretar quem venceu esse clássico recente do futebol das telas.

Ted Lasso e a impossibilidade de ser infeliz

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Ted e Rebecca sendo lindos e altos de chapéu

A premissa de Ted Lasso é simples. Após um divórcoio conturbado, a esposa traída, Rebecca (Hannah Waddingham), acaba ficando com o controle de um time (o bem mais ou menos e fictício AFC Richmond) de futebol de Londres. Como esse clube em especial era a coisa mais amada pelo ex-marido – certamente mais do que a companheira – Rebecca traça um plano, vai destruir o time.

Para isso ela contrata um técnico folclórico de futebol americano universitário, alguém com nenhum conhecimento sobre o futebol correto. Não é preciso dizer que a ideia não funciona, o técnico, Ted Lasso (Jason Sudeikis), é puro carisma e bigode, e logo toda a região onde o time está situado fica apaixonada por ele (platonicamente falando).

Uma parte considerável das piadas de “Ted Lasso” está no fato de sua ignorância (e do público norte-americano em geral) sobre o esporte, já que o modelo de gestão é completamente diferente do país natal. Nos principais esportes dos EUA as ligas não possuem divisões ou rebaixamento, não disputam torneios internacionais e possuem teto salarial (além da mania insuportável de chamar qualquer vencedor de  campeonatinho meia-boca de world champions).

Outra parte das piadas fica por conta do vocabulário, afinal existem palavras com sentido completamente diferente entre os dois países ou mesmo expressões só utilizadas em apenas em um deles e que para nós, telespectadores tupiniquins, não fazem diferença alguma. Mas a sensação deve ser parecida com a de ler algo do Saramago e ter que procurar no dicionário o que é uma chávena e o que diabos é rez-do-chão.

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Sam e Dulce, dois dos personagens mais carismáticos da série

Mas o grande segredo de “Ted Lasso” não está perdido na tradução (mesmo porque aqui isso seria um encontro ou desencontro) mas na capacidade incrível de fazer uma série que te deixa feliz o tempo todo, um grande comercial de margarina com piadas rápidas ágeis, referências de todos os tipos e ótimas atuações.

Em “Ted Lasso” não existe um vilão (bom existe, mas não é parte importante da história), a grande preocupação da série é demonstrar como as pessoas podem estar sempre crescendo e melhorando, como a bondade sempre supera o rancor e a vingança, e que gentileza gera gentileza (e não a variante com trocadilho que não cabe mais nos tempos atuais).

“Ted Lasso” é uma série do tipo sopa de agnoline. Se você está numa fase pra baixo, triste porque seu time perdeu ou foi obrigado a fazer postagens vergonhosas no dia dos namorados (“o dia é dos namorados, mas a noite é dos solteiros”) só por que o pai do João Dória queria vender mais no inverno, tanto a série quanto a sopa tem o poder de aquecer aquele coraçãozinho congelado pelas normas impostas pela sociedade.

Wrexham ou futebol com dentes piores

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Torcedoras apaixonadas

O Wrexham Football Club (ao contrário do Richmond de “Ted Lasso”) não só existe, mas está aí a um bocado de tempo, desde de 1864, e fica na cidade de Wrexham (ó, quem diria?) no País de Gales. Se você não sabe onde fica o País de Gales, então vai estudar…mentira, eu explico. Ele fica ali coladinho com a Inglaterra, fazendo parte do Reino Unido, ou seja, são governados pelo rei com mão de salsicha e por isso participam das línguas inglesas de futebol.

O Wrexham (assim como a maioria dos times para os quais eu torço) já teve seus bons momentos no passado, mas a crise na região no norte do país fez com que eles entrasse em um redemoinho de ruindade muito parecido com o do Fluminense nos anos 90, mas sem a CBF para mexer os pauzinhos e colocá-los de volta na Elite (ler na voz do casemiro).

Resultado, a equipe chegou a quinta divisão inglesa, onde o nível é tão ruim que eles só podem usar jogadores da Grã-Bretanha (o horror o horror) e está na beirada de disputar com times amadores. Nesse ínterim, o time foi vendido várias vezes para donos mais interessados no terreno do estádio (o Racecourse, utilizado para o futebol desde o ano de inauguração do time) do que qualquer outra coisa. 

A equipe até foi readquirida pelos moradores da cidade, mas a sua estrutura praticamente amadora e contando com voluntários não era o suficiente para fazer com que o time voltasse às glórias do passado. Até a chegada do Deadpool.

Deadpool e Rob McElhenney

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Rob e Ryan discutindo se deveriam contratar o Sandro Sotilli

A série documental “Bem vindos ao Wrexham” narra a compra do time por dois atores, Ryan Reynolds, da série “Três é demais” entre outros filmes de sucesso menor e Rob McElhenney da genial (e na mesma medida, doente) “It’s Always Sunny in Philadelphia”.

Essa é a premissa para contar de tudo um pouco na série, desde as dificuldades de se disputar a “quintona” (como não é conhecida por ninguém a quinta divisão inglesa), a economia local, passando pelas diferenças culturais de Gales em relação ao resto da grã-bretanha e até Hooligans.

Muitas das dificuldades dos atores, mais familiarizados com o esporte que o personagem principal de “Ted Lasso”, são as mesmas da série anterior, essa diferença cultural que existe no esporte praticado na Inglaterra (e Europa de modo geral e muito mais parecido com nosso modelo brasileiro) com o modelo americano de ligas poderosas e jogos universitários idem.

Por não se tratar de uma série com o objetivo de te deixar com a energia lá no alto, tal qual um show do Maurício Manieri, ela possui personagens muito menos simpáticos, mas de certa forma tão gostáveis quanto. Isso porque os dramas, desejos e desafios estão atrelados a realidade, que o que se espera de um documentário.

Mas qual das duas séries é melhor? Vamos resolver dentro de campo em uma partida de qual é a melhor série de futebol para gringo ver.

A disputa

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Roy e Jamie: duas das melhores musiquinhas pra cantar em estádios mundo a fora

“Ted Lasso” possui personagens sensacionais. Apesar de toda a good vibe da série, que mostra como pessoas muito melhores do que nós lidariam com os problemas, isso não quer dizer que a série possui personagens rasos. Pelo contrário, a maioria deles vai crescendo de acordo com a passagem das temporadas e boa parte mostra uma evolução.

Além disso, ela lida com problemas contemporâneos (machismo, xenofobia, homofobia e tudo que reemergiu após a ideia de uma internet baseada em algoritmos) de uma forma contundente ao mesmo tempo leve e sem apelar, na maioria das vezes, para os chavões criados para esses tipos de situações.

A série possui uma grande quantidade de referências à cultura pop e ao esporte, desde pequenos detalhes na produção até citações no roteiro e justamente por isso, para o público PT-Br isso pode ser um problema. Um exemplo está no fato de a tradução ter usado “futebol total”, uma tradução literal para o termo inglês sobre a tática usada pela seleção holandesa na Copa de 1974 e que no Brasil recebeu uma tradução muito melhor (Laranja Mecânica) e que não foi usada na série.

Ted Lasso x Wrexham: quem manda melhor no futebol moleque
Ela pensou: é esse homem, é por esse hooligan que vou sacrificar meu futuro

Já bem vindo a Wrexham possui dois grandes trunfos. O primeiro são os personagens da vida real que aparecem no filme, desde a comunidade em volta até os jogadores e comissão técnica. O melhor exemplo fica para o episódio onde aparecem um jovem adulto, proibido de entrar no estádio por hooliganismo, e a filha do baterista da banda James, que estuda para ser policial. O fato de ela não passar no concurso pois estar namorando o rapazola em questão é impressionante e que só faz sentido se você transformar Wrexham em Nova Pádua (Wrexham é bem maior, não tem desculpa).

O segundo são justamente os donos do time. Rob McElhenney (que obviamente não tem como ser parecido com seu personagem em Always Sunny ou estaria preso) ganha nossa simpatia pois está realmente envolvido com o time, nas vitórias e derrotas. Já Ryan Reynolds transpira charme e simpatia, comme d’habitude, tanto que um dos grandes momentos dessa temporada é a narração em off de um Rob magoado e com inveja de uma passagem que seu sócio fez ao clube sozinho.

Para terminar, outro trunfo é a torcida, muito menos simpática que os fervorosos torcedores de Richmond, mas muito mais reais e com sofrimento estampado na arcada dentária do inglês de renda média.

Obviamente as cenas de jogos são muito melhores, mas isso não é desmerecimento para Ted Lasso, a gravação que retrata momentos esportivos são, na sua grande maioria, muito ruins e o fato de eles terem trazido os narradores e comentaristas reais da Premier League acabam diminuindo a sensação de estarmos assistindo um episódio de Malhação (circa 1997)..

Resultado

Nenhum, cada um que assista as séries e tire suas próprias conclusões, porém ambas são fortemente indicadas, até para aqueles que não gostam de futebol ou desistiram do esporte a partir do momento em que os jogadores começaram a ter nome composto (Renato Augusto, Henrique Juliano, Cesar Mateus e por aí vai), ao contrário dos ótimos nomes do passado como Pelé, Zico, Marabá e Túlio Maravilha.

Para mais conteúdos sobre séries, esportes e outros assuntos dos quais não tenho qualquer domínio, acesse o restante do blog.

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