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Top Gun Maverick: o bom e velho Maverick, será?

O cinema mainstream está sofrendo uma longeva crise de criatividade. Como as novas histórias estão cada vez mais genéricas e preguiçosas, gerando filmes que são esquecidos e ficam datados 10 minutos depois da sessão, uma enxurrada de reboots e remakes tentam mascarar quase 20 anos de incompetência na hora de escrever um bom roteiro.

As bilheterias responderam positivamente, num primeiro momento, mesmo com público e crítica não mostrando uma boa vontade e clamando por novidades. Madrugada dos Mortos (2004), Nasce Uma Estrela (2018) e Os Infiltrados (2006) foram exemplos dos melhores momentos dessa tática que já nasce datada. Literalmente. Mas tragédias de longa metragem como Conan, O Bárbaro (2011), Hora do Pesadelo (2012), Karatê Kid (2010), Desejo de Matar (2018), A Múmia (2017), deixaram claro que a probabilidade de dar errado era muito maior.

Se você se der ao trabalho de fazer duas listas, uma com os melhores e outra com os piores, vai entender o porquê de Hollywood procurar outra solução. Criativa? Lógico que não. Mas que tenha uma chance maior de sucesso, pelo menos. Depois de passar pela era do requentado, nós entramos na era das continuações tardias.

Top Gun Maverick: o bom e velho Maverick, será?
Will Smith não está nada contente com o próprio filme

Filmes clássicos, muitos batendo as três décadas do seu lançamento original, ganharam continuações diretas ou misturadas com reboots e remakes, sendo elas necessárias ou não. Essa nova forma de procrastinação criativa já nos deu filmes pavorosos (obrigado George Lucas, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal era mesmo necessário e nós guardamos excelentes memórias dele) e filmes totalmente esquecíveis (alguém lembrava de MIB 3 antes de ler isso?). Mas, de tempos em tempos, aparece um espécime raro, quase extinto, realmente bom e digno de conversa.

Top Gun Maverick, por mais incrível que possa parecer – e é – é um desses raros espécimes.

Top Gun, quando o ator envelhece menos que o filme

O filme surge das cinzas de 36 anos de uma fogueira de breguice com uma missão dificílima: atualizar umas das maiores pérolas dos anos 1980.

Top Gun de 1986 foi o filme que lançou um jovem Tom Cruise para o estrelato, criando uma figura carismática (nunca vi uma entrevista onde ele não estivesse sorrindo e não tratasse elegantemente bem os entrevistadores) e controversa (a cientologia era mesmo necessária, Tom?). Mas o filme não acompanhou o seu ator protagonista e o passar dos anos mostrou algo difícil de ignorar: Top Gun envelheceu mal para Diabo.

Top Gun Maverick: o bom e velho Maverick, será?
Cientologicamente gato

A estética datada dos filmes de ação dos anos 1980 grita na tela, mostrando o que aquela década tem de pior: os filmes de ação daquela década eram uma válvula de escape para garotos, adolescentes ou não, explodindo de testosterona, ou não, que queriam se autoafirmar usando de argumento o Herói de Ação que protagoniza o filme da moda. Lembrem que nenhuma campanha de recrutamento da Marinha dos EUA atraiu mais cadetes que Top Gun.

Por mais que Top Gun tenha cenas de ação memoráveis, muito disso se deve ao fato de que a Marinha Americana ter sido consultora direta da equipe, de grandes momentos musicais –Take My Breath Way fez a banda Berlin ganhar toneladas de dinheiro – e cenas emblemáticas (o jogo de vôlei vestindo calça jeans não serve para nada, mas ficou no subconsciente coletivo) o filme sofre de um problema crônico: o roteiro tem a profundidade de um pires.

A parte dramática do filme, que devia ser a ponte entre uma cena de ação e outra, tem o poder sonífero de um benzodiazepínico cinematográfico. Os diálogos, na sua grande maioria, têm função meramente expositiva, facilitações narrativas surgem na tela a cada minuto e o mundo do filme não é palpável. Eu não vejo aquela San Diego como real.

O romance de Pete e Charlie não tem serventia nenhuma para a história, além de ser absolutamente irreal. Ninguém tem um relacionamento sequer parecido com aquilo. Cada frase do personagem interpretado por Kelly McGillis tem a única e exclusiva missão de exaltar o protagonista ao máximo.

Goose e Ice Man tentam passar um pouco de carisma, e fazem o melhor que podem com o roteiro que têm. Goose é o típico cara legal: trata todo mundo bem, é um amigo leal e tem uma família palpável. Fora que o fato de ser fã de Jerry Lee Lewis apela para o meu lado pessoal. A morte dele é sentida e é um dos momentos marcantes do filme.

Ice Man é o casca grossa típico, mas mostra um lado justo, e tenta trazer o protagonista para a realidade: eles são colegas de time e não inimigos. Val Kilmer aproveitou o tempo de treinamento para conviver com pilotos reais e absorver a sua personalidade. Segundo o ator, não existe ninguém mais arrogante e egocêntrico do que um piloto da escola Top Gun. Mas a fraqueza do roteiro é escancarada no protagonista.

Top Gun Maverick: o bom e velho Maverick, será?
Clima tenso (sexualmente) entre os brothers

Pete Maverick Mitchell é uma criança grande: o que deveria ser atitude, rebeldia e segurança pura viram arrogância, birra e imprudência. Ele tem um comportamento questionado por todos, mas isso não o faz executar uma autocrítica e evoluir. Nem a morte do amigo abre os olhos do eterno adolescente. Fazer merda para provar que o seu pai não fez merda não serve para nada quando você tenta ser da elite militar. Ele continua sendo uma pessoa difícil de lidar e só pensa nos próprios fins. Mas era aí que eu queria chegar. Passados 36 anos, temos Top Gun Maverick.

Top Gun Maverick: mais (e melhor) do mesmo

O melhor filme de ação de 2022 veio carregado de expectativa e com uma pergunta que não queria calar: ele seria uma cópia do primeiro ou atualizaria o original, mas mantendo a sua essência ?

Eu sei, eu peguei pesado com o primeiro Top Gun. Mas eu gosto bastante dele. Mesmo sendo datado, ele é um filme de ação digno e possante. E eu fico feliz em responder à pergunta anteriormente feita: ele fez uma coisa fazendo a outra.

O roteiro é tão hábil que conseguiu atualizar o filme fazendo um filme próximo ao original. O início é o mesmo, Top Gun Anthem está lá, a rixa entre dois pilotos também, assim como a cena de esporte na praia, mas a evolução também está.

Muito foi dito sobre Pete ser o mesmo. “Homens são homens. Ele disputa mulheres, briga e mantém a sua masculinidade intacta. Um homem de verdade como não é mais feito.” Saudosista de plantão na crise da meia idade, vem comigo que eu vou te mostrar uma coisa.

Top Gun nunca careceu de ação. Isso podia ser mantido. Muito menos de personagens carismáticos, era só seguir a escola criada pelo Goose que estava tudo ótimo. Top Gun precisava de um protagonista que não fizesse você querer comer ele no chinelo. É isso mesmo, aceite a verdade: se o teu filho fizesse as coisas que Maverick fazia no primeiro filme, você iria arrebentar ele com uma Havaiana e deixa ele de castigo sem Naruto por uma semana.

Pete Maverick Mitchell devia, finalmente, ser o que sempre se esperou que fosse: um rebelde corajoso, inteligente e disposto a fazer o que tinha que fazer. Ele deveria ser um Herói de Ação.

Top Gun Maverick: o bom e velho Maverick, será?
Ótima publicidade para o Boston Medical Group

Ele põe o dele na reta para manter o projeto que daria emprego a uma equipe inteira ainda existindo, ele pilota com ousadia, Pete não tem medo de mostrar o quanto se preocupa com os pilotos que tem que treinar, o quando ama Rooster, filho do finado amigo, e como está feliz por reencontrar a antiga namorada. E o mais importante: o quanto ele ama ser piloto.

Pete faz o melhor para honrar o amigo morto e segue os conselhos de Ice Man, responsável por manter o capitão ainda na voando. Pete evoluiu, cresceu. Virou um homem disposto a fazer o que for preciso para cumprir a sua missão, nem que isso seja controlar os seus impulsos.

Mas eu tenho que dar o braço a torcer e admitir que Top Gun Maverick tem, sim, um elemento do passado que não pode ser ignorado: é um filme de ação forrado com efeitos práticos, cada um dos atores aprendeu a pilotar e operou as próprias câmeras, protagonizado por um tremendo Herói de Ação, interpretado por uma grande estrela capaz de arrastar multidões aos cinemas.

A crise de ideias não está superada, continuações tardias continuam aparecendo (gente, ainda dá tempo para cancelar a do Exorcista!), mas Tom Cruise mostrou, no auge dos seus 60 anos de idade (sim, é inacreditável o quão bem ele está) que dá para driblar as dificuldades e fazer um filme com roteiro decente.

Para mais análises sobre atores hollywoodianos que usam sapato plataforma, acesse o restante do blog.

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